quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Poemas de Mario Alex Rosa/ Donizete Galvão/ Sergio Alcides/ Fabiano Calixto/ Armando Freitas Filho/ Fabio Weintraub/ Tarso de Melo

MÁRIO ALEX ROSA



PARA O INFERNO


dedicado a Arthur Rimbaud

 
Daime o inferno um instante
e farei do silêncio um segundo
como a noturna deusa amante
à espera das almas sem mundo.


Sequer direi uma palavra de agrado
tomo soluço como escárnio
cobrindo a miséria de luto
cuspindo fogo no sagrado.


Haverei de ser ventania
cólera e coração ajoelhado
numa redoma de vidro inquebrável.

Tiro-me o glacê da vida
tomo todo corpo talho morfina.
Foi quase uma saída.

 



 

DONIZETE GALVÃO


Revendo Reverdy



O vento arrancava-lhe o chapéu.
O vento levanta lembranças
que já deveriam estar mortas.
Na poeira suspensa no quarto
                                              retorna um rosto quase apagado.
Um homem morreu em Belo Horizonte.
Sua sombra vem toldar a janela.
O mundo sempre será visto como ausência.
                                              Há o cansaço de viver de restos
numa orfandade nunca redimida.
O vento arrancava-lhe o chapéu.
O vento turvava o caminho.
O vento poderia dissipar o peso
                                                                  dessas nuvens.



SERGIO ALCIDES

Robinsonada


                                              
Perdido estou na ilha do naufrágio,

meta do meio-dia. Desce o tró pico

sobre meu pensamento. Aquece a pele

mas não o coração, água que corre

incessante de cachoeira à sombra

perpétua. Do segredo. Do arvoredo.

O mero e mineral disfarce úmido

que a pedra veste para ir passear,

ignorante da vida no céu verde,

de que só alcança ouvir as cruas vozes,

tocar, ocasionais, as línguas secas,

molhar as patas que, hesitando, buscam

refresco, temperando na alegria

selvagem o medo do predador.




FABIANO CALIXTO

Oratório


meninos jogam
capoeira
em frente ao muro da creche
onde, escrita a tiros,
lê-se a epígrafe destes dias

jogam
capoeira
entre os ramos do berimbau
antes da chuva
como as nuvens

*
os tijolos, as casas a meio,
andaimes, latas de tinta
vazias, pedra, cimento, cal,
criando uma atmosfera
menos rude
naqueles olhos

*
o terreno baldio
a quadra de futebol de salão
e o bamba
rodando, mão a mão,
na gramática feroz
do desânimo

*
no barraco à beira
do córrego fétido,
um velho
com seu carro de ferragens e indiferenças
fuma um resto de cigarro
achado no resto de mundo
que herdou

*
jogam
capoeira
*
chove
há mais de uma semana



ARMANDO FREITAS FILHO



Escrever o pensamento à mão.
reescrever passando a limpo
passando o pente grosso, riscar
rabiscar na entrelinha, copiar
segurando a cabeça, pelos cabelos
batendo à máquina, passando o pente
fino furioso, corrigindo, suando
e ouvindo o tempo da respiração.
Depois, digitar sem dor, apagando
absolutamente o erro, errar.


******************************

Escrever é riscar o fósforo
e sob seu pequeno clarão
dar asas ao ar – distância, destino
segurando a chama contra
a desatenção do vento, mantendo
a luz acesa, mesmo que o pensamento
pisque, até que os dedos se queimem.




FÁBIO WEINTRAUB


Skina's Grill



                                  para Tarso de Melo


Uma coisa é fato:

a partir de um certo ponto

convém não exigir muito


Mesmo sabendo que

num misto quente de verdade

se deve além do recheio

aquecer o pão na chapa


Embora pensando bem

àquela altura da noite

a chapa toda encharcada

com os resíduos do dia

um pão frio porém limpo

talvez não fosse má idéia


É o que me veio à cabeça

logo assim que percebi

o suor colando a franja

sobre a testa do garçom



TARSO DE MELO

O VERMELHO E O NEGRO


para Manoel e Manuel

Aceito que não seja,
de fato, a melhor parte do romance
(a trave se moveu, os da barreira
estranhamente cresceram),
ainda mais se o leitor
que torce (abrem-se as cortinas,
começa o jogo) duvida
da virada

espécie de desespero
diante das quinhentas páginas
do campeonato
pois a cada uma delas
cada vez mais
o ataque se desenreda, nossa
defesa é nossa adversária
e o estilo despenca
na tabela

e mesmo os gritos do
técnico (ali onde não há
caixinha-de-surpresa)
da orientação desistiram
e como os nossos
são de desespero

na cena mais cruel
nosso herói, já driblado,
ainda pode ver
o alheio atacante a poucos
passos do alvo

e neste ponto até o torcedor
o mais fiel, enquanto
lê, percebe a formação
desde o televisor
de um mar de vaias
e lágrimas

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