segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012











Histórias Cruzadas (The Help), cinema, emoção e crítica
por Jardel Dias Cavalcanti

Histórias Cruzadas, do diretor Tate Taylor, é um filme emocionante, que conta de forma extremamente inteligente a danação que era para a mulher negra ser uma empregada doméstica na racista Mississipi (EUA) dos anos 60. Retrato ao mesmo tempo contundente das práticas racistas americanas, nos emociona pelo espírito perscrutador de uma câmera que invade os lares americanos, notando as minúcias da prática do racismo não só na violência escancarada do assassinato de negros (a presença da Ku klux Klan), mas no cotidiano da convivência entre brancos (sempre exaltando os princípios cristãos, diga-se de passagem) e negros.
O filme conta a história de uma jornalista recém-formada, Skeeter, que deseja ser escritora e que vê na possibilidade de narrar as histórias das empregadas domésticas uma boa história para ser publicada. Ela também cresceu, como todas as crianças americanas da época, sob os cuidados afetivos de uma negra. Mas diferente das outras crianças que foram amadas e cuidadas por empregadas negras na infância e que na idade adulta tornaram-se tão racistas quanto seus pais eram, Skeeter guarda na memória o amor que sua empregada lhe devotou e sente-se incomodada com o descarado racismo de suas amigas. Esse incômodo a move a escrever o livro, tentando entrevistar as empregadas que inicialmente temem as represálias do Estado racista contra elas, mas que, finalmente, se dispõem a narrar a história da brutalidade a que são submetidas diariamente no ambiente de trabalho e fora dele.








     É nos detalhes que o Diabo se mostra. O racismo aparece em várias circunstâncias, sendo a mais grosseira a campanha para se construir banheiros externos para as empregadas, sob a acusação de que elas teriam doenças diferentes dos brancos e poderiam contaminá-los usando os mesmos recintos. A proibição do contato corporal entre os negros e brancos é outro detalhe que se apresenta no filme em várias situações, como também a artimanha de se forjar roubos de jóias ou talheres, para se demitir injustamente ou levar à prisão as negras.
     O fascismo racista é desvelado sutilmente pelo cineasta, que constrói um roteiro onde mais do que a fala, são os gestos, as roupas, o cenário, as performances dos personagens no cotidiano que revelam o tamanho da opressão que os americanos praticaram sobre os negros.
     Uma opressão mascarada numa falsa bondade cristã, em defesa da moral e dos costumes da família branca americana, mas que esconde o que o cineasta mostra, os picos de sadismo, desprezo, arrogância, chantagem, crime, autoritarismo, desrespeito, sobre uma população desprotegida pelo estado de direito, submetida às mais desprezíveis práticas racistas.








      A frieza e prepotência “suave”(porque lhe caem como naturais) das personagens femininas brancas (perfeitas guardiãs da falsa moral cristã e familiar) sobre suas empregadas é comovente no filme. Um regime de força institucionalizado as protege e ampara em suas práticas racistas, em sua admoestação diária das empregadas, em seu abuso de poder. As atrizes conseguem grandes interpretações, mostrando por trás da suavidade, o horror racista que as alimenta nesta estrutura de poder.
     O filme nos faz mergulhar na alma das mulheres submetidas ao racismo institucionalizado, fazendo-nos perceber a discrepância entre o amor que as empregadas devotam às crianças (por pura humanidade) e o destrato a que são submetidas (por pura desumanidade) por suas senhoras. Exibe o mundo burguês de classe média americana, com esposas entediadas, com seus chás da tarde, absolutamente inúteis, exibindo-se como uma sociedade ascética, pura, religiosa, moral; imagem construída sob a ruína da vida de quem lhes serve sob um regime de trabalho praticamente escravista.
O filme equilibra grandes momentos de dor com pequenos momentos de alegria. Sabe temperar a exibição do poder e algumas formas encontradas pelas empregadas para resistir (na medida do possível) aos constrangimentos diários. Como na cena em que a empregada demitida faz sua ex-patroa comer um bolo feito por ela, mas que continha suas próprias fezes, ou nas narrativas de suas memórias feitas à escritora, quando é descrita a estupidez de alguns comportamentos ridículos dos patrões.




Enquanto o drama se passa na cidadezinha do Mississipi, com negros sendo mortos, Luther King marcha pelos direitos civis dos negros... o resto da história todos sabemos.
     Eduardo Frota do JB anota que “uma vez que a formação da sociedade brasileira guarda algumas semelhanças com o modelo sulista estadunidense, com resquícios de subserviência racial, o paradigma apresentado em Histórias Cruzadas não deve causar estranheza no público daqui”. Sem dúvida, e isso pode ser visto por estes dias, quando, por exemplo, em uma manifestação de negros contra o branqueamento dos shoppings, a responsável, em uma ironia prá lá de duvidosa, disse que sim, havia negros ali, bastava os manifestantes olharem para os funcionários e vigilantes do estabelecimento.






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