segunda-feira, 10 de outubro de 2016

SOBRE ESTE AMONTOADO DE LIVROS

por

Daniel Lopes Guacaluz


Anselm Kiefer

Livros são bons, dizem. A literatura faz você viver uma vida melhor e ficar mais inteligente, dizem. Todos têm direito à literatura, disse o Cândido, a se sensibilizar com ela, a ganhar e engendrar em si novos mundos, a construir caminhos para si com essas passagens de vida. Tenho muitos livros, um enxurrada de jovens autores, boa porcentagem desses livros é lixo publicado por vaidade, por vontade de ver o nome escrito numa capa com bela gravura, Ó... o glamour da noite de lançamento. 
Leio ou tento ler boa parte dos livros recentemente produzidos, mas isto me toma o tempo de ler, por exemplo, algumas coisas do Dostoiévski que ainda não li, o Knut Hamsun que pretendo conhecer mais. 
A literatura é um direito, assim como a arquitetura, a engenharia, a pintura, o futebol arte. O que não dá para aceitar é que qualquer um que admire pontes e viadutos vá construir um prédio e que ele vai ficar de pé da noite para o dia; não dá pra aceitar que qualquer um que visitou um ou dois museus, viu algumas gravuras na internet terá o mesmo êxito em dizer o indizível daquele que buscou um modo de extrair da pintura uma comunicação ontológica como Cézanne, ou Vincent van Gogh. Como o capitão Achab, enlouqueceram na busca de sua baleia branca. Estes homens arriscaram tudo, doaram a vida para tentar expressar algo grande demais que viram no destino humano. 


Van Gogh

Quem está disposto a pagar o preço? Nem todo mundo que joga uma pelada é Pelé. Além do talento, há a obsessão pela palavra justa, pelo modo de dizer uma passagem de vida, um caminho de pensamento que jamais foi trilhado antes. Fora a incompreensão, o chiste, o desterro, a autodestruição – penso no cônsul de Lowry: “Ah e que mundo era este capaz de esmagar tanto a verdade quanto os bêbados?” Outro dia, num sarau, um autor de cinco livros, disse-me que havia pouco tinha descoberto que romance era um gênero. Ele achava que todo romance era romântico. Então vamos com calma, companheiros, porque se o que você tiver a dizer for menos importante que o silêncio, não diga. Espere. 
Não quero que minha posição seja tomada como elitista, porque não é. Quando a literatura andava empolada demais, Hemingway e Céline invadiram o salão a cavalo, feito bárbaros. Penso que se a escrita não for tão importante quanto o prato de comida, como era para Carolina Maria de Jesus, então não escreva. Vá ao parque, curta uma balada que não seja necessariamente literária. Não tem a ver com uma estética da alta cultura, mas da arte como tábua de salvação, da literatura como respiração. 

Danillo Villa

O artista é alguém que viu na vida algo grande demais, o que pôs nele a marca da morte, é o grande assinalado de Cruz e Souza, é o que não pode trocar de destino. «Melville dizia: «Se dissermos dadas as necessidades da argumentação que ele é louco, então eu preferiria ser louco a sábio... gosto de todos os homens que mergulham. Qualquer peixe pode nadar perto da superfície, mas é preciso ser-se uma grande baleia para descer a cinco milhas e mais... 
Os mergulhadores do pensamento voltaram à superfície com os olhos injetados de sangue desde o princípio do mundo.» Reconhecemos com facilidade que há perigo nos exercícios físicos extremos, mas o pensamento é também um exercício extremo e rarefeito. A partir do momento em que pensamos, enfrentamos necessariamente uma linha onde se jogam a vida e a morte, a razão e a loucura, e esta linha arrasta-nos. Só podemos pensar nesta linha de feiticeira, faltando dizer que não estamos forçosamente condenados a perder, que não estamos forçosamente condenados à loucura e à morte.» 
Pensemos aí em Vincent no trigal, nas noites de Poe, nos jejuns kafkianos, na tenacidade de Faulkner, no desconforto da gravata borboleta do Rosa montada por temporadas e temporadas no lombo de um burro, dormindo no chão da caatinga, do sertão.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

OUTROS OBJETOS, OUTRAS GEOMETRIAS



Sobre alguns trabalhos de Leonino Leão
por Ronald Polito


I

O Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), em Juiz de Fora (MG), abriu, no dia 2 de agosto de 2016, uma exposição de artes plásticas intitulada “Uma homenagem” reunindo trabalhos de Leonino Leão. Como o próprio título indica, trata-se de merecido tributo a um artista que, nos poucos anos que passou na cidade, onde foi professor do Departamento de Artes da Universidade Federal de Juiz de Fora, deixou marcas importantes no panorama das artes locais. A exposição reúne 76 trabalhos de técnicas variadas e que cobrem, principalmente, os últimos anos da vida do artista, de 1980 a 1987. Esses trabalhos pertencem à coleção do MAMM e a diversos colecionadores, a quase totalidade residente na cidade. Neles encontramos aquarelas, desenhos, pinturas a óleo sobre tela, colagens, gravuras em metal, objetos de materiais variados (incluindo o design de um colar), pinturas-objetos, geralmente tendentes a experimentações variadas, incluindo misturas de técnicas e materiais, por vezes, imprevistos. Merecem destaque alguns conjuntos de trabalhos, partes de séries que o artista desenvolveu: as colagens, à falta de melhor termo, em torno do cometa de Halley e do significado simbólico que ele teve para o poeta Murilo Mendes, as pinturas de grande formato em diálogo com a obra Janela do caos, do mesmo poeta, os objetos e as pinturas-objeto. Talvez o convívio com seu companheiro Arlindo Daibert e o período em que viveu em Juiz de Fora esclareçam o fascínio que Murilo Mendes passou a exercer sobre ele. Além dos trabalhos, a exposição conta ainda com croquis, esboços, cartazes de exposições, cartas e cartões criados pelo próprio artista e que eram enviados para os amigos em datas especiais, ou seja, um conjunto de materiais de bastidor que são também esclarecedores dos métodos e técnicas que ele empregou em sua obra. Além disso, apresenta também alguns documentos de Arlindo Daibert, que comentam os empreendimentos de Leonino, além de desenhos e fotografias que Daibert deixou de seu companheiro. Ainda, na entrada da exposição, podemos assistir a um pequeno vídeo, com supervisão de Arlindo Daibert e datado de janeiro de 1987, intitulado “Nova cara do mundo”, em que o artista comenta suas obras, especificamente pinturas e colagens das séries “Nova cara do mundo” (que reúne os trabalhos em torno do cometa Halley, já referidos) e “Janela do caos”, o que talvez seja seu único registro fílmico. O conjunto, portanto, é valioso para que futuros e necessários trabalhos sejam feitos a partir do artista, tanto escritos quanto imagéticos, pois ali encontramos elementos capazes de estimular criações variadas. De montagem impecável, como são as exposições do MAMM, a curadoria da mostra é de José Alberto Pinho Neves e ela ficará aberta até o dia 7 de outubro. O site do Museu reúne, ainda, informações textuais e visuais detalhadas da exposição, apresentando depoimentos e imagens de grande parte dos objetos expostos.[1]

II

É quase inexistente a fortuna crítica sobre o artista, que faleceu jovem, aos 40 anos de idade, em 1988. Ela praticamente se resume a quatro textos de Arlindo Daibert, reunidos em seu livro Caderno de escritos, de que voltarei a tratar.[2] A esses textos podemos somar a que talvez seja a mais valiosa observação sobre Leonino para os propósitos deste artigo, formulada por Roberto Pontual em seu livro Entre dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção Giberto Chateaubriand:

Apesar de seu trabalho ter começado a aparecer na abertura da década de 70, os elementos que agora o caracterizam são bem mais recentes. O básico, no caso, é a criação de uma trama geométrica de caráter tanto sugestivo e significante quanto livremente decorativo. Todo o espaço é ocupado então por cadeias de triângulos, quadrados, losangos e outras formas várias, ligadas entre si como um corpo vertebrado e orgânico. Intensas em cores e ritmos, elas conservam um ar arcaico, uma dimensão telúrica, um som de região profunda, túnel para o trânsito de arquétipos. A preocupação constante com a textura faz vibrar essas superfícies cristalizadas, dando-lhes o prolongamento de ecos e a vibração de balbucios. Mas ninguém ouvirá delas um nome inteiro.[3]

Também pode auxiliar a tarefa interpretativa o comentário de Walter Sebastião, tão breve quando agudo:

Sua obra se situa acima dos modismos, permanecendo encantadora em sua geometria sensível, em seu construtivismo universal. São criações deliciosas, inteligentes, radicais no sentido de colocar os problemas da arte. É um trabalho belo e instigante, que continua provocando a abertura do olhar, o que é fundamental.[4]

No comentário, Walter Sebastião retoma o conceito de “geometria sensível”, do título “América Latina: geometria sensível”, uma importante exposição organizada por Roberto Pontual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1978. Com esse conceito, Pontual pretendeu dar conta das especificidades dos projetos construtivistas quando aclimatados aos ambientes das artes plásticas na América Latina: da geometria “programada”, ortodoxa e europeia, à geometria “sensível” dos latino-americanos.[5]

Ainda é possível ter em vista os diversos depoimentos sobre Leonino, não apenas de seus amigos e outras pessoas que conviveram com ele em Juiz de Fora e em São José dos Campos, de onde veio — como o do próprio Arlindo Daibert, que foi enfático ao registrar o quanto devia a Leonino Leão para o desenvolvimento de seu trabalho,[6] o que é muito notável nas pinturas e nos objetos de Arlindo dos anos 1980 em diante. Mas também de seus ex-alunos, o que qualquer pesquisa sistemática futura deve considerar e inclusive ampliar. Esses depoimentos são importantes porque esclarecem seus métodos de trabalho e de ensino e a própria ideia do que era arte para ele, além de iluminarem o raio de sua interferência criativa no ambiente acadêmico. As declarações de Fernanda Cruzick e de Ricardo Cristofaro, seus ex-alunos, tanto evidenciam a influência direta de seu trabalho sobre o que vieram a fazer quanto ressaltam a natureza lúdica e a liberdade de expressão como nortes: “Lembro-me que o Leo, como o chamávamos, usava muito, em sala, a palavra brincadeira. Tinha um lado lúdico muito forte”; “(...) obtive, através do conhecimento e contato com seu trabalho, um sentido de liberdade expressiva, que transitava constantemente sobre diferentes processos e técnicas de criação plástica”.[7]

III

É sobretudo em dois elementos que se verificam as melhores contribuições de Leonino para as artes plásticas. Em seus objetos, que se desdobram, inclusive, em pinturas-objeto, e em suas pesquisas de geometrias, com as quais ele se insere de forma inovadora na melhor tradição dos trabalhos com geometrias entre nós. São poucas as investidas figurativas, ainda que não ausentes, pois o artista pode criar ambiguidades entre simples estudo geométrico e figura, sendo raras as representações de seres humanos ou lugares. A exposição demonstra isso, mas as poucas figurações presentes deixam marcas singulares. Assim, o primeiro e o último trabalho expostos, e vice-versa, porque depende de por onde o visitante decidir seguir, se pela direita ou pela esquerda, dialogam entre si e conosco. Em um deles, a imagem de um homem com os olhos distantes, impedindo nossa aproximação. No outro, vinte olhos nos observam. Em ambos, as perguntas sobre como, por que e quando estamos olhando e sendo olhados. Elas confirmam a necessidade de renovarmos nossos modos de ver, o que solicitam os melhores trabalhos do artista.


S/ título, 1980. Aquarela sobre papel, 16 × 12 cm. Coleção particular.



S/ título, s.d. Pintura-objeto, 26 × 18 cm. Acervo do MAMM.


IV

Não ficando sabemos para onde iria a arte de Leonino, e não é improvável que ela pudesse ir longe. Suas realizações mais originais foram os objetos e os estudos geométricos. Sobre os objetos, Arlindo Daibert considera a possibilidade de uma genealogia de seus antecedentes citando Kurt Schwitters, Joseph Cornell, Torres Garcia, Celso Renato e Farnese de Andrade. Não é o caso, aqui, de discutir a pertinência dessa genealogia. Por outro lado, seria interessante considerar seus contemporâneos, como Roberto Vieira, Marcos Coelho Benjamin e Cláudia Renault, para balizar o que Leonino estava fazendo. De certa forma, o próprio Daibert descarta as referências que cita; para ele, “a compulsão de inventar novos brinquedos nos parece mais forte do que a aproximação de conceitos ditados pelas normas construtivas, dissecadas ad nauseam pelos críticos e historiadores da arte”.[8] Não é claro o que ele parece dizer. Talvez seja precisamente a atenção que Leonino dedicou a essa tradição e a seus contemporâneos que o levou a tentar um passo autônomo nesses territórios. A ideia de “novos brinquedos” não é alheia ao campo de referência, está subjacente ou mesmo clara em trabalhos de Torres Garcia ou Farnese de Andrade.


S/ título, s.d. Pintura-objeto, 12 × 12 cm. Coleção particular.

Há sim uma brincadeira na forma com que Leonino opera com outras criações. Veja-se a pintura-objeto acima, que pode nos transportar por um momento para o universo de Sérgio Camargo e nos trazer de volta para a percepção de seu universo particular. Pelo tamanho, pelo douramento e pelos sólidos escolhidos, ela se distancia de Camargo. Sobretudo pelo emprego de mais de um tipo de sólido ela se afirma: a dominância de triângulos não anula a presença de formas trapezoidais, sugerindo um processo de conversão mútua. O jogo entre elas é transformativo; mais ainda, há velocidade, movimento giratório sugerido. Instaura-se uma espécie de disfunção libertadora no âmbito da regularidade de certo construtivismo ortodoxo. E o acento não está dado na dimensão desconstrutora, porque o efeito é precisamente o contrário. Também chama a atenção que seja precisamente o triângulo a forma escolhida, porque ele é dominante e o melhor campo de pesquisa nas geometrias do autor.

Outra pintura-objeto poderia estar dialogando de perto com o trabalho de Roberto Vieira: pelo uso de madeira, galhos, e terra, ou sua simulação, bem como pela estrutura em relevo dentro de uma caixa. Na mesma direção estaria também em parte a pintura-objeto já citada com os vinte olhos. Por outro lado, a pequena dimensão contrasta com as obras de Vieira. E outra diferença, mais fundamental, fica demarcada pela pintura dos triângulos dourados, sugerindo uma geometria possível no campo da rusticidade, além do contraste e do convívio do “elevado” com o “baixo”, o “moderno” e o “arcaico”, e outras dualidades.


S/ título, s.d. Pintura-objeto, 26 × 16 cm. Coleção Neusa Salim.

É novamente a dimensão lúdica que estrutura outro trabalho, e ainda de forma mais decisiva, pois é um objeto que demanda sua manipulação, oferecendo-se como uma “pequena máquina”, na feliz expressão de Arlindo Daibert no texto citado. Não devemos apenas “contemplá-lo”, mas operar com ele, como um ábaco simplificado, uma forma de escrita ou linguagem a ser inventada, e tantas outras possibilidades. Os triângulos se transformam em losangos que também são quadriláteros. O movimento das peças cria inúmeras combinatórias e variações de cor, luz e profundidade.


S/ título, s.d. Objeto, 29 × 35 × 4 cm. Coleção Particular.

Outra obra importante para Leonino com certeza foi a de Farnese de Andrade, uma das pontes possíveis para o abandono da moldura regular ou da própria ideia de moldura e a extrapolação do espaço plano, bem como para o uso de objetos e trastes do âmbito da cultura material, como na imagem seguinte.[9] Mas nela, sem qualquer sacralidade ou surrealismo, é a insinuação erótica que prevalece. Também o movimento está previsto na peça retangular central, bem como insinuado no furo da peça à direita, lembrando a empunhadura de um serrote, a orientar como deve ser manipulada. E as incisões geométricas da peça central podem remeter às culturas indígenas ou a culturas arcaicas, bem como o douramento embaralha os níveis de registro.


S/ título, s.d. Objeto, 40 × 27 × 6 cm.


A essas experiências se juntavam, portanto, referências estéticas inusuais, como motivos indígenas, visíveis à esquerda da obra seguinte. O título, “Montão de trigo”, tão enigmático, é possível referência à ilha Montão de Trigo, do litoral paulista, que talvez Leonino conhecesse e onde poderia ter encontrado elementos da composição, mas nada esclarece sobre a peça propriamente dita. Talvez o título seja apenas metáfora para indicar o quanto de “pão”, alimento essencial, pode brotar de suas potencialidades. Entre os objetos, esse é o que mais se aproxima dos trabalhos de Celso Renato: pela utilização e disposição dos pedaços de madeira simultaneamente à recorrência dos triângulos, que Celso Renato também empregou sistematicamente.


Montão de trigo, 1985. Objeto, 30 × 29 × 3,5 cm. Coleção Turinha Borem.


É também a abertura para outras referências culturais que motiva um dos objetos mais criativos do autor, uma máscara que emprega uma grande diversidade de materiais e formas, resultando num conjunto harmônico em sua estudada irregularidade. Não apenas a horizontalidade, mas também as bandeirinhas invertidas superiores, como uma coroa, ecoam livremente as diversas máscaras pré-colombianas, como podem ser vistas em museus arqueológicos do México, do Peru e do Chile. Ao mesmo tempo, as bandeirinhas recortadas são naturalmente tributárias do mundo da criança. E toda a peça se organiza a partir de resíduos, pedaços de coisas, lixo, como muitos dos brinquedos que montamos. Inesperadamente, podemos estar diante da cabeça de uma boneca, com seus enfeites, suas bijuterias. E mesmo orientalizada, com uma das tranças formada por leques, ilustrados com vaquinhas de uma provável embalagem de laticínio.



S/ título, s.d. Objeto, 22 × 16 cm. Coleção particular.


V

A diagonal era a linha dominante na disposição do traço de Leonino. Foi seu estudo ininterrupto que o levou não apenas ao triângulo, mas à dinâmica geral de seus trabalhos com geometrias. É da tensão de seu uso que emerge o que de melhor essa obra tem em sua filiação às vertentes geométricas da arte contemporânea. O uso das diagonais, além de produz velocidade em suas imagens, por não ser uniforme, evita uma disposição e uma divisão matemática regulares do espaço. Claro que foi um longo caminho para o próprio artista elaborar esse deslocamento. Em trabalhos seus dos anos 1970, é possível encontrarmos formas geométricas de disposição regular. Afora isso, o triângulo estabelece uma dinâmica distinta das formas retangulares e organizadas pela vertical e pela horizontal, como em muitos trabalhos do construtivismo clássico. Opera-se com um deslizamento, um descarrilamento, e com outros modos de frente e fundo se ordenarem. Se nos objetos as formas triangulares aparecem diversas vezes, elas assumem o proscênio nas pinturas, aquarelas e gravuras, que reúnem a maior parte do que produziu. Seria o caso de pensarmos em Volpi, com sua insistência em pintar bandeirinhas, o que não deve ter passado despercebido ao próprio Leonino. Bem como na precedência de Volpi no uso de diagonais e na composição livre da geometria, sem regularidade na dimensão das formas. Mas eles se distanciam pela paleta de cores. Não Volpi tão azul, mas os tons terrosos. Em outros termos, Leonino também se dedicou ao plano geométrico mais elementar, menos fechado em seu simbolismo, o menos “figurativo” de formas particulares porque pode ser associado a uma multidão de coisas.


S/ Título, 1987. Aquarela, 42 × 23 cm. Coleção particular.

Além da sensação de navegarmos, com esses triângulos como velas, o emoldurado do movimento torna a aquarela mais teatral, como se estivéssemos diante de um palco em que se passa uma cena. Enfim, como se a obra pusesse em discussão o que quer representar, assumindo-se como representação.

É o caso de se tratar um pouco mais da preferência pelo triângulo nesses trabalhos. O próprio artista deixou uma declaração meio peremptória ao intitular uma obra sua de “Triângulos que não são símbolos”, de 1985,[10] como que antecipando a natural reação do observador diante do que ele produziu, inclusive se tiver conhecimento de sua origem geográfica. Afora esse plano mais elementar, são muito diversos os sentidos simbólicos do triângulo, religiosos, místicos, esotéricos etc. Penso que é desse amplo conjunto que ele quer se afastar para que a percepção apenas do funcionamento de formas triangulares no espaço se imponha. E não um triângulo, mas sua proliferação. Evidentemente, não é uma obrigação para quem observa a obra aceder ao título do autor, até porque ele pode funcionar como o do quadro de Magritte.

Foi sobretudo nos grandes trabalhos em pintura e técnica mista sobre Janela do caos que Leonino alcançou seu melhor resultado nesses campos de pesquisa com geometrias. A exposição apresenta três trabalhos de uma série mais ampla e que hoje se encontra dispersa.[11] Suas dimensões contrastam com as que usualmente o artista praticava. E se harmonizam com as janelas do título, mimetizando-as. Pois o tipo de representação que visam solicita um espaço mais amplo. Trata-se do espaço que é uma janela, como metáfora da própria pintura, e que é a do caos, numa leitura possível do título. O próprio artista, no vídeo referido, corrobora essa leitura ao indicar que o tamanho escolhido buscava precisamente dar conta, em termos de escala, de um tema tão exigente. E esse caos aqui não é uma ilustração, as obras não se referem a nenhum poema de Murilo Mendes diretamente, elas antes se encarregam de fixar os diversos movimentos quase que corporais da caotização tentando ordená-la, fixá-la, suspendendo-a momentaneamente, ainda que sem poder impedir seus movimentos.

O trabalho mais escuro da mostra é uma das três grandes telas. Nela é enorme a movimentação das regiões, a ordenação pelo olhar de recortes maiores e menores agrupando áreas, incluindo conformações retangulares e trapezoidais. A multiplicidade de triângulos se organiza de forma a revelar um grande triângulo de ponta-cabeça como uma cunha que desconjunta o que parecia que ia seguir harmonicamente, e desencadeia certo deslizamento geral da composição em duas diagonais, contido, no entanto, pela persistência da horizontalidade. E com o uso de apenas duas cores próximas, se obtém o movimento sobressalente da altercação constante entre frente e fundo. Uma anotação de Leonino entre os papéis expostos nas vitrinas da galeria vem indiretamente nesse sentido, quando ele formula a necessidade de “estudar possibilidade de outras escalas com inversões cromáticas”.


S/ título, s.d. Técnica mista sobre papel, 110 × 75 cm. Acervo MAMM.

A segunda tela exposta da série “Janela do caos” é a melhor realização de um padrão geométrico que já havia sido abordado pelo pintor alguns anos antes e por isso é preferível começar por esse trabalho anterior e de dimensões mais reduzidas.

Multiplicação de planos de cor, 1981. Têmpera vinílica sobre tela, 45 × 54 cm. 
Coleção Ricardo Cristofaro.


Nele já podemos ver o diálogo entre os triângulos dominantes e o quadrado, bastante visível, mesmo que se desfaça momentaneamente pelo delineamento de um trapézio em seu interior. Trata-se de um estudo que investiga a oscilação do olhar entre formas geométricas elementares constituídas também pelas articulações entre os planos de cor.

Na segunda tela de “Janela do caos” esse procedimento é ampliado e o resultado que se atinge é bem mais impactante. Decorrência da centralização do quadrado quase perfeito mantido em inclinação de cerca de 45º e do tratamento de cores, que produz um efeito melhor de, simultaneamente, anulação e afirmação da forma retangular, num jogo incessante entre formas e regiões. O movimento giratório dos triângulos em torno da forma retangular se amplia, ainda, pela dinâmica de seu interior, centrípeta e centrífuga, a depender do olho do observador, e pela continuidade do movimento externo invadindo em parte a área interna. É como se estivéssemos diante de uma utilização muito particular ou disfarçada de um procedimento cinético. E novamente se infiltra quase no centro da tela a presença de uma cunha pentagonal.


S/ título, s.d. Óleo sobre papel-cartão, 120 × 120 cm. Acervo MAMM.

A última tela exposta de “Janela do caos” se destaca por outro aspecto, para além da organização geométrica das fileiras de triângulos, constituindo diversos trapézios ou outras formas quadrangulares. Seu principal interesse reside no tratamento das cores, embora dentro do mesmo campo cromático, distinto do presente nas telas anteriores. Nela não ocorrem superfícies de cores homogêneas e chapadas e o autor volta a trabalhar com colagens que criam sensações de relevo. O que temos nos campos de cores são as formas geométricas perdendo em parte a definição dos contornos e apresentando gradações cromáticas internas a uma cor. Ela, talvez, seja uma das realizações do trabalho de Leonino mais distantes do construtivismo clássico, tanto por sua distribuição geométrica irregular quanto pela forma como a cor é tratada.


S/ título, s.d. Técnica mista sobre papel-cartão, 135 × 97 cm. Acervo MAMM.


A exposição ainda apresenta, como já dito, outros campos de criação do artista. Mas a natureza avaliativa deste artigo pensa os recortes escolhidos a partir de uma perspectiva de atribuição de valor. São os objetos e os estudos geométricos que permanecem mais vivos com o passar do tempo, formulando problemas e soluções para a arte que se pode praticar hoje em dia. O que interessa, então, é o uso que podemos dar a esse legado.

Ronald Polito
Juiz de Fora, 19-27 de agosto de 2016



[1] Disponíveis em: <www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/> e <www.museudeartemurilomendes.com.br/exposicoes/leonino/leonino.php>. Acesso em: 18 ago. 2016.

[2] São os textos: “Calendário, de Leonino Leão” (datado de São Paulo, mar. 1993; título acrescentado pelo organizador do volume), “Nova cara do mundo, de Leonino Leão” (publicado em catálogo de exposição realizada na Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, 1985), “Objeto do sentido, de Leonino Leão” (publicado no catálogo da exposição realizada na Aliança Francesa de Juiz de Fora em 1987; a nota do autor foi acrescentada em 1991, sendo assim republicado em Transístor, n. esp., Juiz de Fora, out. 1991) e “Janela do caos, de Leonino Leão” (texto datado de 6 set. 1990; título acrescentado pelo organizador). In: DAIBERT, Arlindo. Caderno de escritos. Organização de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995. As informações sobre os textos são do organizador do volume.

[3] PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção Gilberto Chateaubriand. Prefácio de Gilberto Allard Chateaubriand e Antônio Houaiss. Apresentação de M. F. do Nascimento Brito. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1987. p. 539.

[4] Disponível em: <www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/>.

[5] PONTUAL, Roberto. Do mundo, a América Latina, entre a geometrias, a sensível. In: PONTUAL, Roberto. Obra crítica. Organização de Isabela Pucu e Jacqueline Medeiros. Rio de Janeiro: Azougue, 2013. p. 435-439.

[6] Daibert, “Janela do caos, de Leonino Leão”, op. cit., p. 138.

[7] Depoimentos, respectivamente, de Fernanda Cruzick e Ricardo Cristofaro. In: MORAIS, Mauro. Emoldurando o cientista. Tribuna de Minas, Juiz de Fora, 10 ago. 2016. Caderno Dois, p. 1. Mais um depoimento de Fernanda Cruzick pode ser encontrado em: <www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/>. E outro de Ricardo Cristofaro em: <http://www.ufjf.br/procult/2010/12/07/leonino-leao-e-lasar-segall-no-mamm/>.

[8] Daibert, “Objeto do sentido, de Leonino Leão”, op. cit., p. 137.

[9] A peça não está na exposição do MAMM, mas reproduzida em: REPÚBLICA do Paraibuna. Curadoria de José Alberto Pinho Neves. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, [1996].

[10] Ela pode ser vista em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8729/leonino-leao>.


[11] A UFJF possui mais obras da série, mas certamente as limitações de espaço expositivo não permitiram a mostra de outras. Ainda uma delas (técnica mista sobre papel, 210 x 150 cm, 1986, coleção Gilberto Chateaubriand) pode ser vista em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8729/leonino-leao>.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Jorge Coli
A Origem do Mundo:
Rituais litúrgicos



O quadro de Gustave Courbet, "A Origem do Mundo", de 1866, só foi exposto ao público em 1991. Até então, um número ínfimo de pessoas vira o original, que por isso guardava uma aura de mistério mítico. Seu último proprietário foi Jacques Lacan, dono de uma coleção importante de arte. "A Origem do Mundo", porém, não era mostrada: Lacan conservava a tela numa edícula, recoberta por outra tela, de André Masson. O psicanalista a exibia somente a alguns eleitos.
         James Lord e Dora Maar presenciaram uma dessas cerimônias. Sua descrição é reveladora: atitude grave ("A atmosfera podia ser tudo, menos alegre"); conversas em voz baixa, repetição da liturgia ("Depois do almoço, acompanharam-nos até uma construção fora da casa, onde ficava o ateliê de Lacan. Dora sussurrou: "Ele vai nos mostrar seu Courbet"); palavras sacramentais ("Agora, vou lhes mostrar algo de extraordinário"); rito de exposição, quando o proprietário retira o disfarce que cobre o quadro; enfim, resposta ritual do fiel ("Proferi as exclamações admirativas esperadas").

RELIGIOSO

Há um caráter religioso em tudo isso. É verdade que Courbet, ao eliminar a cabeça e os membros do modelo, concentrando-se no sexo, evitou tudo o que não fosse pura exposição. Transformou assim o espectador em puro contemplador, ou em contemplador puro. A imagem se impõe como evidência e permite a sacralização por sua essencialidade.
O vínculo entre obsceno e sagrado se tece graças aos laços entre os iniciados: é uma cerimônia religiosa, no sentido mais etimológico de "religare" (unir). Ora, exposição (de qualquer obscenidade) pressupõe a cumplicidade entre quem expõe e quem vê.
Há evidentes pontos de comparação entre o quadro de Courbet e uma foto contemporânea de Gouin: a inclinação da pose, a abertura das pernas. Se fosse reduzida ao sexo como a tela, teria, pelo teor documental da fotografia, algo de clínico. Mas o rosto que figura ali, o olhar fixo, a elegância afetada dos dedos na mão direita, transformam-na bastante. Tal como está, é uma imagem a ser mostrada entre cavalheiros, ao abrigo de olhares espúrios e, sobretudo, escondida de mulheres e de crianças.


O êxtase contemplativo cede lugar ao voyeurismo canalha. Mas a comunidade de iniciados permanece. A pequena fotografia viaja de bolso em bolso, é mostrada na palma da mão. O silêncio sagrado da encantação medúsica vem substituído então por outra atitude iniciativa: a risota cúmplice.
Há um ponto aqui: a diferença de olhares. Nas noções de "contemplar" e "êxtase contemplativo" pressuponho uma atenção involuntariamente muito focada, silenciosa. É o que pode ser chamado de fascínio e adoração, repousando sobre fé sincera e, em vários aspectos, respeitosa. Outro olhar, que se pode chamar de "cumplicidade canalha", tem no riso, na piada, um sinal de conivência.
Há mais um ponto comum entre a foto e o quadro: nenhum homem está presente. Eles são previstos como espectadores, externos à ação erótica. A fenda oculta um mundo desejado e sequestrado, secreto e promissor, mas se mantém sob autoridade feminina, seja de modo "ôntico", seja em modo de comércio. Revela-se como posse íntima das mulheres, velando os mistérios que não podem ser vistos, apenas intuídos pelo prazer imaginário dos homens.
Um quadro dos anos de 1820 pode nos fazer avançar na reflexão. É atribuído ao círculo de Achille Devéria (1800-57), talvez seja mesmo de sua mão. Uma jovem, quase adolescente, mostra o traseiro.
A perna esquerda, apoiada num tamborete, dobra-se, de modo a afastar as coxas e a revelar a vulva, desprovida de pilosidade. O rosto se volta para o espectador. Tal iconografia é rara. O tema calipígio é frequente nas artes, mas aqui a situação, a pose, a visão simultânea das nádegas e da vulva, ao contrário, é incomum.


A tela pequenina impõe uma análise diversa das feitas a Courbet e Gouin. O artista não exibe frontalmente a vulva. Põe em evidência a beleza das nádegas, pintadas com carinho. O olhar é atraído primeiro por elas. Descobre-se depois o sexo na penumbra do entrepernas. Não se vê o homem que, supomos, deve usufruir da penetração, mas ele está presente, assinalado pela cartola sobre a cadeira, no primeiro plano.
Se no quadro de Velásquez o contemplador ocupa o lugar do rei, para evocar o conhecido texto de Michel Foucault, aqui ele ocupa o do fodedor. A seminudez da jovem indica que a relação é fugidia, apressada. Afora a cartola, não se veem roupas masculinas: o homem deve estar vestido.

 FOTO

Não foi difícil encontrar na internet uma foto obscena que tivesse analogia com o quadro em questão. Sem contar as vestimentas e a pose, que acentua a abertura e a visibilidade da vulva e do ânus, Megan Bubble Butt, como vem denominada, mostra o traseiro (desmedidamente ampliado pela lente do fotógrafo). Como a jovem de 1825, volta para o espectador os olhos amendoados.


Seria possível, num primeiro momento, que o caráter elaborado da tela e o aparente imediatismo da foto servissem como critério para estabelecer uma distinção entre "arte" e "pornografia". Mas não.
A tela certamente entraria na categoria pornográfica pelos critérios do século 19. O tempo a transformou, porém, e hoje ela poderia ser exposta a qualquer público. Ora, a foto de Megan, disponível para qualquer olhar na internet, poderia integrar a obra de um artista contemporâneo.
Minha convicção é que a precisão conceitual neste caso não é de rigor. O importante é a fecundidade do processo comparativo: uma imagem ao lado da outra permite aguçar a inteligência do olhar, e a melhor intuição e compreensão dos fenômenos culturais e estéticos que elas envolvem.

MANET

Ponhamos o pequeno quadro de Devéria em paralelo com "Olympia" (1863), obra de Manet. O ponto em comum é que, como em tantas obras do artista, o espectador está pressuposto: como em Velásquez, como tantas vezes no barroco, quem olha se incorpora à obra.


  No entanto, com "Olympia", não se trata do "lugar do rei", nem do "lugar do fodedor". Trata-se do "lugar do cliente". O sinal de sua presença está no buquê de flores, no gato arrepiado diante do estranho, no olhar do modelo, e, ainda, no gesto de sua mão esquerda.
É importante analisar esse gesto. Ela tapa o púbis com a mão espalmada, de modo decidido. Gesto "profissional". O cliente chegou, ela está nua; expõe-se, mas esconde o ponto mais desejado, suprema moeda de negociação.

COFRINHO

A fenda de Danae transformou-se em cofrinho quando ela foi penetrada pelas moedas de Zeus. Com a mão, Olympia bloqueia (temporariamente) a sua. O olhar concupiscente devora promessas, mas tem seu limite: o da passagem que dá acesso à moeda metafórica, ao pênis real. O pênis ereto figura o prazer masculino, externo, exposto. Já a interioridade feminina mantém-se inacessível à representação. Nenhuma das vulvas escancaradas da arte, ou infinitas na fotografia pornográfica, dá conta da representação.
Como o desejo feminino é interno, sua porta de entrada é ao mesmo tempo barreira visual. Sua exibição é o atestado do prazer invisível, dos mistérios invisíveis.
Da origem do mundo à origem do fogo, o ventre é o lugar invisível dos mistérios e dos prazeres. A contemplação do sexo feminino pressupõe e impõe esses mistérios. Seria mesmo necessário tratar a pornografia como um conceito? Há uma distinção convencional entre erotismo e pornografia que atribui à natureza da fotografia os males da pornografia contemporânea.
Barthes o expôs em "A Câmara Clara": "A foto me induz a distinguir o desejo pesado, o da pornografia, do desejo leve, do desejo bom, o do erotismo". Parafraseando Alain Robbe-Grillet, o desejo pesado é naturalmente o dos outros. O nosso é sempre o bom.
Pornografia é menos um conceito que um insulto, um preconceito. No mundo interminável dos desejos intensos que é a internet, as imagens licenciosas são infinitas. Trata-se de desejos inefáveis, intangíveis, "virtuais" (do latim "virtus", que também dá origem, numa gênese paradoxal, à palavra virtude), ou seja, existindo apenas em potência e não em ato, como sonho e irrealidade. Imagens que alimentam, e se alimentam, dos desejos humanos. Exatamente como as obras de arte.

Se tivermos mesmo que situar a pornografia num campo conceitual, este deve se localizar na moral, e não na estética ou na arte. Na estética, na arte, grandes ou pequenas obras, "altas", ou "baixas", nobres ou vulgares, podem corresponder entre si, e iluminarem-se mutuamente.