quarta-feira, 18 de outubro de 2017

ARTE E MORAL - Terror À Vista - Por Jorge Coli

PRAXITELES Cnidus_Aphrodite.jpg
Terror à vista
Por moralismo torpe, pessoas decidem eliminar a reflexão e neutralizar a arte

Refletir pressupõe não só ter consciência de si mesmo, mas também consciência do outro. Com a reflexão, o pensamento inclui, em seu exame, aquilo que o outro é. Ao levar o outro e suas razões em conta, o pensamento original se modifica, desviando-se da direção primitiva. A etimologia ensina que flexus, em latim, de onde vem a reflexão, quer dizer vergar, dobrar. Ou seja, abandonar a linha reta na qual caminhavam as convicções.

A reflexão pertence ao domínio da consciência e do conceito. Por exemplo, se eu vivesse no século 17, estaria convencido de que a Terra é fixa no centro do universo. Mas alguém (no caso, Galileu) traz para mim argumentos e provas contrárias a essa ideia. Então reflito, mudo minha concepção. Se, depois de conhecer as razões de Galileu, eu me mantivesse na convicção anterior, permaneceria em erro.

Mas existe um modo de reflexão que não é abstrato e vai além das argumentações claras. Este modo, bem mais complexo do que o primeiro, é proporcionado pela arte.

A arte não estimula em nós apenas as faculdades racionais. Causa impactos, provocando modificações em nossa sensibilidade e nossas emoções. Atua de modo profundo em nosso cerne, nossas entranhas, nossas contradições, nossos desejos e nossos medos.

Nunca é simples e nítida. Pode ser bela, sinistra, erótica, repulsiva e muito mais. Ultrapassa sempre as intenções do artista, mesmo as mais claras e racionais; pode mesmo negá-las e contradizê-las.

A arte, tantas vezes, nos choca. Abrigávamos um conjunto de sentimentos pacificados e, de repente, uma obra vem perturbá-los. Nós ou a recusamos, e permanecemos imóveis em nós mesmos, ou a aceitamos, e ampliamos os poderes compreensivos de nossa sensibilidade.

Há cerca de 2.400 anos, os habitantes da ilha de Cos encomendaram a Praxíteles uma estátua para o templo de Vênus. Ele figurou a deusa despida, preparando-se para o banho de purificação. Tomou, diz-se, a linda cortesã Frineia como modelo. Ora, as esculturas gregas não tinham o hábito de figurar mulheres sem roupa, e os sacerdotes recusaram a obra por ser indecente. Está aí um caso antigo e célebre de escândalo moralista.

Mais lúcidos, os habitantes de Cnido compraram a estátua, que se impôs logo como obra-prima absoluta. Era erótica a Vênus de Praxíteles? Era. Conta-se que um jovem grego, alucinado pela beleza da escultura, escondeu-se no templo para —como dizer?— gozar solitariamente daquela soberba sensualidade.

Não preciso aqui enumerar os escândalos, sexuais ou não, que as obras de arte provocaram, nem seria possível contar todos. É o papel delas: assim como o conhecimento, a arte é subversiva.

Sabemos, os regimes totalitários e os fundamentalismos religiosos não gostam de inquietações que perturbem o pensamento único. Odeiam contradições e dúvidas. Por isso, controlam o conhecimento e submetem a arte à censura.

No Brasil, hoje, pessoas  se recusam a pensar o outro, que se negam a entender o que lhes escapa, invadem museus em nome de um moralismo torpe (o MAM-SP, instituição contra a qual investiu uma horda de trogloditas) e atacam exposições que incomodam.

Pior ainda, instauram a autocensura, pois financiadores e instituições temem escândalos. Isso já ocorreu: não apenas a exposição Queermuseufoi abreviada em Porto Alegre, como o Museu de Arte do Rio, o MAR, que deveria recebê-la, renunciou, cedendo às pressões da prefeitura carioca.

Ao mesmo tempo, o Theatro Municipal do Rio, entidade pública, em princípio laica, anuncia um programa com o seguinte conteúdo: "O Renascer Praise nasceu de duas vontades que combinaram: a de Deus, em querer abençoar o povo e habitar no meio dele (porque a Bíblia diz que Deus habita no meio dos lo3uvores), e a vontade da Igreja Renascer e da bispa Sonia, em adorar ao Senhor de todas as formas, com todos os instrumentos e ritmos".

Simultaneamente, multiplicam-se as perseguições às religiões afro-brasileiras.

Em nome do moralismo e da fé, essas pessoas decidem eliminar a reflexão e neutralizar os poderes da arte. Quanto mais submissos, melhor. Têm base política impressionante e poder gigantesco. Aceleraram de dois anos para cá. Em meio à corrupção desenfreada, utilizam-se de instintos conservadores primários para manipulações e alianças políticas que lhes permitem subir cada vez mais.

Parece-me claro: se nada for feito, logo viveremos sob uma teocracia fundamentalista cujo obscurantismo se iguala à sem-vergonhice mais sórdida e oportunista.

jorge coli

É professor titular de história da arte na Unicamp e autor de "O Corpo da Liberdade" (Cosac Naify).
Obs: Texto pulicado na Folha de São Paulo em 15/10/2017

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

HÁBITOS ERÓTICOS - por JORGE COLI

HÁBITOS ERÓTICOS - por JORGE COLI


Todas as obras de arte são eróticas. Foram feitas para os sentidos e para a imaginação. Estão lá para nos dar prazer, seja de forma direta, seja de forma oblíqua, seja de forma perversa. Até um Mondrian. Até os branco sobre branco de Malévich. Sobretudo o branco sobre branco de Malévich, diria um mais brejeiro.




Malévitch- Quadrado branco sobre branco

Isso tudo é segundo, terceiro, quinto, décimo grau. Aqui, o que se trata, pelo o que eu entendi do que me pediram, é outra coisa, franca, sem muito disfarce. É séquiço, como diria a falecida Rê Bordosa. Não explícito, está claro, que a Bravo! é uma revista de família. Mas adulando o baixo-ventre.

Nem pensar em ser objetivo. Eu próprio não escolheria o branco sobre branco do Malévich, embora o brejeiro de serviço possa estar sendo sincero. No país do erotismo, existe de tudo. 


Parto da idéia de um erotismo mais direto. Tenho que eliminar, assim, toda a arte moderna, a arte de vanguarda. Ela tratou de sexo, está claro, tantas vezes. No entanto, é elevada demais, intelectual demais, sofisticada demais para oferecer-se como estímulo. O erotismo dos surrealistas é mental; as obsessões de Picasso são sinais, são marcas inquietas e, no final de sua vida, angustiadas e violentas explosões dos seus desejos. Contudo, não estão lá para estimular os apetites de ninguém. As Demoiselles d’Avignon eram prostitutas e estão nuas. Mas quem jamais olhou aquilo com apetite erótico nos olhos?



Picasso - Senhoritas de Avignon

Os artistas contemporâneos que enfrentam a sexualidade terminam por melhor esvaziá-la. Em suas fotos, Mapplethorpe eleva os motivos mais obscenos à pureza da forma, uma pureza quase intangível, clássica. A pornografia continua ali, e alguns puritanos particularmente obcecados censuraram, condenaram e expulsaram essas imagens de exposições. É preciso ter muito recalque na cabeça para ver nelas a obscenidade. Pois perderam a força de desejo. O erotismo é que fortalece a obscenidade.




Mapplethorpe

As vanguardas, na verdade, eliminaram o erotismo que triunfava nos salões de pintura, nas academias. Era um mar de nus maravilhosos e descarados. Haverá pintura mais safada do que aquele quadro de Oscar Pereira da Silva, na Pinacoteca do Estado de São Paulo? É uma tela vertical, grande. Representa uma escrava romana (escrava: pronto, posso ir ao mercado, comprar, levar para casa e fazer dela o que eu quiser) de pé, nua, linda, com o olhar despudorado, convidativo. Em volta do pescoço, tem uma tabuleta onde se lê: virgo (virgem). Quadro feito com a intenção cristalina de provocar delírios sexuais imaginários.

Ou então, o Rolla, de Gervex, que Huysmans tratou, em 1878, de “tela abjeta e priápica”. Rolla (não posso fazer nada, é o nome do personagem, e deve ser pronunciado com acento no a, assim: Rollá), o homem, perto da janela, contempla um nu adormecido, pintado com extraordinário sentimento da epiderme e das carnes: um esplendor absoluto. A história vem de Musset: mistura erotismo, ruína financeira e suicídio. Os devaneios sensuais do século XIX iam à fervura com o mito da mulher fatal.


Henri Gervex- Rolla

A arte do século XVIII está saturada de erotismo. De Fragonard, Fogo na pólvora, em que um anjinho leva uma tocha ao sexo de da jovem que dorme para provocar-lhe sonhos vívidos; a Gimblette, no qual um cachorrinho afaga, com seu rabinho, o sexo nu de sua dona. De Boucher, Odalisca, que deve ter sido uma amante de Luís XV, e que exibe seu traseiro em meio a sedas e veludos, como uma jóia num escrínio. Mas o século XVIII tem lençóis demais, travesseiros demais, é empoado demais.




Fragonard – O fogo ao pó


Fragonard- Menina com o cão


Boucher - Odalisca


Nisso, é diferente do renascimento florentino, para quem a dimensão erótica é disciplinada pela secura do desenho. Os maneiristas foram mestres a partir desses princípios, e a primeira obra na qual eu pensei, antes de começar a escrever este artigo, foi A Luxúria descoberta pelo Tempo, de Bronzino, pintada no século XVI, que está na National Gallery, de Londres. É uma imagem em princípio moralizadora, destinada a mostrar os horrores do vício que os prazeres podem acarretar. 


Bronzino – Alegoria da luxúria...

Em princípio, apenas. Porque sua composição põe em evidência, dentro do discurso alegórico, a relação entre Venus e Cupido, entre a mãe e o filho.  O enlace é indisfarçável, as línguas se tocam, o bico do seio vem apertado entre os dedos da mão direita do menino. Panofsky (em Ensaios de iconologia) propõe uma análise do quadro. Assinala que Cupido está ajoelhado numa almofada, símbolo da luxúria. No entanto, diz também que o jovem deus é assexuado. Nada menos evidente. O velho e pudico professor fechou os olhos à posição inequívoca do rapaz, com as pernas afastadas e a bundinha arrebitada, convidativa, muito oferecida aos olhares de todos.

Quanto ao erotismo da Antiguidade, ele é eminentemente masculino, e o Fauno Barberini, da Gliptoteca de Munique, deve ser o seu apogeu.



Fauno Barberini


Enfim, depois de muitas voltas, escolhi. A obra mais erótica, é o Êxtase de Santa Teresa, do Bernini, em Roma, na Igreja de Santa Maria della Vittoria. O artista partiu da descrição que fez a própria santa de sua visão: um anjo, “formosíssimo”, carregando um dardo de ouro, que se punha “algumas vezes a metê-lo pelo meu coração adentro, de modo que chegava às entranhas”, misturando prazer e dor. Ela diz ainda: “O corpo fica despedaçado, incapaz de mover os pés e os braços. (...) Dá uns gemidos, baixinhos pela falta de forças, mas bem altos pelo sentimento”.

Nada mais erótico, em todos os sentidos, incluindo o mais elevado, que é o amor divino. Bernini esculpe a santa sob a agitação do hábito, mostrando apenas o pé esquerdo nu, a mão que pende, a boca entreaberta, o rosto transfigurado pelo desejo. O anjo da visão revela mais generosamente suas formas. 




Bernini – Êxtase de Santa Tereza, detalhe e orgasmo feminino


Trata-se de uma escultura, arte que, por princípio, atrai a mão de quem contempla. Mas Bernini frustrou o toque: dispôs a cena no alto, como se anjo e santa levitassem, emoldurados por um palco de mármore. O espectador fica atraído pelo inaccessível, o que exaspera ainda mais o desejo pelo objeto. 


É melhor assim. A santa e o anjo: Venus e Cupido, renovados pela sensibilidade católica nos tempos do barroco. Entre Teresa e o enviado de Deus, tal como Bernini nos mostra, há uma conexão invisível, um orgasmo divino, uma densidade tão fortemente erótica, que é preferível ficar à distância, contemplando, e não atrapalhar a união dos dois.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Jorge Coli entrevista Antonio Candido para o Le Monde


Caros,
Com a morte do professor Antonio Candido, pensei que poderia trazer uma contribuição talvez não muito conhecida.
Tive a felicidade, a sorte, o prazer e o enorme benefício de privar com o Professor Antonio Candido desde 1968. Eu frequentava sua casa, na rua Briaxys (ele dizia que algum burocrata da prefeitura devia ter ido buscar o nome desse obscuro escultor grego em qualquer enciclopédia para batizar a rua) convidado por sua esposa, Gilda de Mello e Souza, minha professora no departamento de filosofia da USP, que abria generosamente as portas para seus alunos. Às vezes eu ia só, às vezes com Renato Janine Ribeiro, ou Luiz Dantas, ou com ambos. A casa da rua Briaxys era um sobrado moderno e luminoso. D. Gilda nos recebia, conversávamos, e depois descia o professor Antonio Candido de seu escritório no andar de cima. Ele se integrava à conversa, era cintilante e muito divertido: ele era ótimo imitador, e suas imitações iam desde Lasar Segall reclamando da mudança do número de sua casa numa repartição pública ("Ishtô e um número feio, não e um número para artista"), até o caipira italiano falando de sua caneta "Parque". Essas conversas foram mais importantes para minha formação do que muitos cursos.
A boa amizade continuou e, numa época em que eu morava na França e colaborava com regularidade para o jornal Le Monde, quando de uma viagem ao Brasil, entrevistei o professor Antonio Candido - em francês - e propus a publicação. O caderno literário do jornal aceitou e, em duas páginas inteiramente consagradas à literatura brasileira, feita com material que eu levara daqui, a parte mais importante foi essa entrevista, bastante longa.
            Abaixo, seu texto. Pensei em traduzir para o português, mas a falta de tempo é grande. Quem sabe alguém se proporia a fazê-lo?

LE MONDE | 13.01.1984 | Propos recueillis par JORGE COLI.


Trad. Maria Augusta Mattos:
Nascido em 1918, Antonio Candido – antigo professor de teoria literária na Universidade de São Paulo, cuja formação foi primeiramente em sociologia e filosofia – é considerado hoje um dos intelectuais mais importantes do Brasil. Sua obra é essencial para se conhecer a literatura desse país. Jorge Coli, que é brasileiro e que ensina estética na Universidade de Toulouse, encontrou-se com Antonio Candido no Rio.

JORGE COLI: “Qual é, em sua opinião, a originalidade da literatura brasileira no contexto das literaturas ocidentais?”

ANTONIO CANDIDO: ─ Como você sabe, este problema suscita no Brasil muitas suscetibilidades nacionalistas. A história da literatura brasileira e a concepção que temos de nossa própria cultura desenvolveram-se numa recusa constante das relações que nos ligam à metrópole, Portugal, e, por extensão, durante certo tempo, das relações viscerais que nos unem à cultura do Ocidente.

─ Eu mesmo sou às vezes tido como “mau brasileiro”, antinacionalista, na medida em que defendo que nossa literatura - e isso é uma evidência – é uma literatura do Ocidente. Na época romântica, os nacionalistas censuravam a literatura do período colonial considerando-a artificial. Segundo eles, num país mestiço e primitivo como o Brasil, era ridículo falar de pastores, pastoras e currais/redis, obedecendo ao modelo do gênero bucólico. Na realidade, o grau de artificialismo era talvez um pouco mais forte em nosso país, mas estava igualmente presente na França, na Inglaterra, na Espanha ou na Itália. Como aqui, tratava-se de uma convenção. O importante é que esses gêneros vindos da Europa permitiram, no fim das contas, ligar nosso país à cultura do Ocidente. Aquilo que muitos críticos e historiadores consideram como uma espécie de assujeitamento me parece mais um preparo para uma libertação. É a aquisição da linguagem do mestre que permite se opor a ele.

JORGE COLI: “A literatura brasileira, sobretudo a dos séculos XVII e XVIII, e em parte também do XIX, me parece extremamente ambígua, no sentido de que ela pode ser compreendida ao mesmo tempo como um prolongamento da literatura portuguesa e como uma oposição a essa literatura. O exotismo indígena, por exemplo, o indianismo, foi mais desenvolvido pelos românticos. Por quê?” 

ANTONIO CANDIDO: ─ Em parte graças à influência francesa, a Chateaubriand e aos primeiros teóricos da literatura brasileira, que eram franceses: Ferdinand Denis, Philippe Gavet, Daniel Boucher, Monglave. Mas podemos afirmar que isso foi imposto pela moda francesa? Sim e não, porque o indianismo brasileiro existia já no século XVIII. Assim, ele foi ao mesmo tempo a afirmação de um particularismo literário nacional e uma manifestação suplementar das ligações com o Ocidente. A meu ver, nossa literatura continua a ser um ramo da literatura do Ocidente.

JORGE COLI: “E quais são então suas relações com as literaturas dos outros países latino-americanos?”

ANTONIO CANDIDO: ─ É preciso observar, creio eu, que o mesmo processo se verificou na América de língua espanhola. O México, o Peru, a Argentina conheceram os gêneros nobres espanhóis, a imitação da Antiguidade, depois o romantismo de inspiração francesa. Mas falemos das relações da literatura do Brasil com suas literaturas irmãs, que passam mais ou menos pelas mesmas etapas. Dizemos – e isso é verdade - que nosso país sempre dirigiu seu olhar à Europa, virando as costas para seus vizinhos. Há um grande desconhecimento mútuo.

─ Fato curioso, no século XX as ligações entre o Brasil e os outros países da América Latina estabeleceram-se em grande parte por intermédio da Europa, e sobretudo da França. Graças ao modelo francês, podemos lutar contra a metrópole política, na busca de um aval da literatura europeia: opomo-nos assim à literatura portuguesa ou espanhola sujeitando-nos à francesa. A literatura francesa foi portanto um fator de libertação porque ela suscitou uma imitação libertadora. E essa espécie de afrancesamento geral da América Latina criou evidentemente laços de afinidade. A influência de Chateaubriand, por exemplo, estava presente no Brasil, no México, no Peru, na Argentina – o indianismo, ou o indigenismo, manifestava-se então quase em toda parte. O mesmo fenômeno se produz mais tarde com Zola e o naturalismo. Portanto, no século XIX, a influência europeia em geral, a francesa em particular – já que era ela a mais importante – foi um primeiro fator de ligação entre esses países que se ignoravam. É por isso que um intelectual latino-americano do século passado – não sei mais quem – fez esta declaração: “Todo latino-americano tem duas pátrias, a sua e a França”. Isso nos parece hoje profundamente ridículo, mas não é desprovido de certo senso histórico.

─ Além dessa convergência, as relações concretas entre as literaturas sul-americanas eram tênues, mas existiam. Deixe-me citar alguns casos pitorescos. Produziu-se uma revolta bastante considerável entre os índios peruanos – não sei exatamente a data, nos anos 1780, creio eu – conhecida como revolta Tupac-Amaro, do nome daquele que havia tomado o poder e que se dizia descendente dos incas. Ora, Basílio da Gama, um dos grandes poetas brasileiros do século XVIII e que vivia na época em Portugal, escreveu um soneto de apoio a Tupac-Amaro, testemunha de uma consciência que ultrapassava as fronteiras culturais brasileiras.

─ Um outro exemplo: no início do século XIX, como vocês sabem, o Nordeste se separou do Império brasileiro e tomou o nome de Confederação do Equador. A República foi proclamada e durou alguns meses. O secretário dessa República, que se chamava José da Natividade Saldanha, teve que pôr-se em fuga e se refugiar na França. Existem relatos muito curiosos dos policiais do Havre e de Paris sobre esse personagem que estava escrevendo uma tragédia sobre Atahalpa, um dos últimos incas. O relatório da polícia francesa diz expressamente: é alguém perigoso porque “prega a rebelião das castas da América Latina”, sendo as castas os mestiços, os mestiços de índios e negros.

─ Portanto, eis na França um brasileiro refugiado, que escreve uma tragédia sobre um imperador inca, transformando índios peruanos em símbolo da liberdade. Aliás, esse mesmo escritor dirigiu-se em seguida à Venezuela onde conheceu Simão Bolívar e lutou pela independência daquele país. Morreu em Caracas. Outros autores tinham a noção de continente: o romântico Fagundes Varela, que evocou o “gênio da América” em seus poemas; ou Sousândrade – por muito tempo esquecido, depois reconhecido em nossos dias pela vanguarda brasileira – que publicou em 1877 seu poema O Guesa Errante (o "Guesa" sendo o símbolo pré-colombiano do índio errante). Mas, note-se bem, o problema das relações vivas, das relações profundas, só se coloca nos dias de hoje.

JORGE COLI: “E essas relações atuais, como o senhor as vê?”

ANTONIO CANDIDO: ─ Trata-se de um fenômeno muito recente, que se deve em parte ao famoso “boom” da ficção hispano-americana. Num certo momento, os leitores brasileiros puseram-se a ler com muito mais facilidade os romances da América espanhola do que os romances europeus.

O aspecto positivo das ditaduras militares

─ Mas eu vejo sobretudo essas relações como uma consequência do advento das recentes ditaduras militares. A primeira surgiu no Brasil em 1964: poderíamos dizer que o Brasil deu um mau exemplo à América Latina instaurando uma ditadura reacionária e repressiva, que provocou o êxodo de intelectuais, como se sabe. Sociólogos, filósofos e economistas tiveram que ir morar no Uruguai, na Argentina, no Chile, no Peru, no México. Isso coincidiu com o desenvolvimento da literatura hispano-americana, o início de uma reflexão sociológica e econômica em toda a América latina, e também com o grande espírito da luta armada, encarnada sobretudo por Cuba. Esse grande redemoinho colocou os intelectuais em contato: esse foi o aspecto positivo desse imenso fenômeno negativo do exílio, da fuga, da perseguição. Depois os golpes de Estado se sucederam na Argentina, no Uruguai e por fim no Chile, que tinha sido o grande refúgio. No Chile, ligações tinham sido verdadeiramente estabelecidas entre os latino-americanos, Santiago do Chile se transformando num ponto de encontro. E eu acrescentaria que um papel mais importante foi desempenhado não apenas pelos países que acolheram os intelectuais perseguidos – notadamente o Chile e o México – mas também por Cuba. Isolada, banida da O.E.A., Cuba teve de procurar brechas para respirar, e uma dessas brechas foi perfurada justamente pela cultura. Cuba se sacrifica para promover congressos, prêmios literários, competições esportivas; o prêmio e a revista Casa de las Americas constituíram-se um ponto de encontro muito importante para os intelectuais.
E eis que estamos onde eu queria chegar: um fenômeno totalmente novo se produz. Até os anos 60, os grandes mediadores culturais entre os latino-americanos tinham sido os países “metropolitanos”, os países imperialistas: os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Itália, a Inglaterra. A primeira vez que encontrei um número significativo de intelectuais latino-americanos foi em Gênova, por volta de 1965, e eu tinha conhecido muitos deles em Paris, nos Estados Unidos, porque eram os europeus e os americanos que organizavam os congressos, como por exemplo o Instituto da América Latina em Paris, dirigido por meu mestre Pierre Monbeis. Mas, a partir dos anos 60, graças ao governo mexicano, sempre aberto aos exilados, e sobretudo graças a Cuba, nossas relações se tornaram diretas. Creio portanto que nós não temos mais necessidade da mediação americana nem europeia.

JORGE COLI: “Pode-se notar uma incidência direta da nova configuração cultural latino-americana sobre a literatura brasileira mais recente”?

ANTONIO CANDIDO: ─ Agora nossas literaturas são muito mais maduras, muito mais ricas. Mario de Andrade dizia frequentemente que o importante não é a manifestação dos gênios, porque gênios há sempre. Por exemplo, o poeta brasileiro de século XVII Gregório de Matos foi um grande gênio – solitário. Um outro gênio muito grande, no século XIX, Machado de Assis, era quase só. Mario de Andrade acrescenta: “O que importa para a literatura é o estabelecimento e a consolidação da média”. Anteriormente havia algumas obras de grande envergadura ao lado obras sem importância. Hoje, as obras sem importância e as grandes obras continuam lá, mas a média é mais sólida. Essa solidez é, a meu ver, sintoma de maturidade.
─ Creio que esse conhecimento mútuo de nossas literaturas, ainda fraco demais, influenciou a literatura brasileira. Por exemplo, nos anos 40, meu amigo Murilo Rubião publicou um notável livro de contos intitulado o Ex-mágico. Sem estrondo, ele continuou a escrever seus contos insólitos e fantásticos. Mas, depois de Borges, Cortázar, Garcia Márquez, descobrimos Murilo Rubião, que passou então dos bastidores à linha de frente. Ele ficou sendo portanto um escritor muito bom desconhecido até a eclosão do famoso "realismo fantástico” tão presente na literatura latino-americana.

JORGE COLI: “Após o interesse manifestado no exterior pelas literaturas hispano-americanas, começamos a descobrir, pouco a pouco, a literatura brasileira. Para o senhor, quais são o papel e a contribuição de nossa literatura no contexto latino-americano?”

ANTONIO CANDIDO: ─ Comecemos estabelecendo uma distinção que creio ser bem útil, particularmente ao leitor estrangeiro. Quando se fala de literatura latino-americana, pensamos sempre na literatura de língua espanhola tomada como um conjunto de uma riqueza extraordinária. Mas a situação muda se se decompõe esse conjunto, nação por nação, porque as grandes individualidades acham-se isoladas em seus países: na Guatemala, Miguel Angel Asturias; em Cuba, Lezama Lima, Cabrera Infante, Carpentier; no México, Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Perizer...

Uma posição de inferioridade, mesmo na América Latina
─ Então, se se opõe a literatura brasileira não ao conjunto hispano-americano, mas a cada um dos países que o compõem, ela passa a ter um relevo excepcional, porque ela é sem dúvida a mais importante das literaturas nacionais. Inversamente, se se compara a literatura de língua portuguesa à de língua espanhola, a balança pende para o outro lado. 

─ A literatura brasileira é menos conhecida pelos nossos vizinhos que a literatura deles no Brasil. Nós lemos, há uns vinte anos, tudo o que é importante nas literaturas de língua espanhola, mas a recíproca não é verdadeira. Portanto, isto quer dizer que a literatura brasileira está em situação de inferioridade, mesmo na América Latina, para não falar da Europa, em que ela é vagamente incluída nesse imenso conjunto latino-americano. Mas, para completar minha resposta, devo dizer que o Brasil tem hoje em Guimarães Rosa um escritor excepcional. Verdadeiramente, um gênio extraordinário, um autor da mais alta qualidade, não somente na América Latina, mas no plano mundial. O Brasil possui um poeta - João Cabral de Melo Neto – que é, no seu domínio, quase tão grande como Guimarães Rosa. E, ao lado desses dois escritores, que a meu ver estão entre os mais notáveis da América Latina, há a “boa média” da qual falávamos.
─ Assinalarei, por exemplo, um fenômeno literário curioso, recente e, creio eu, universal: o gênero memórias, que atinge a mais alta qualidade literária. Ele deu nascimento, no Brasil, a um sucesso absolutamente sem igual, o de Pedro Nava. Pedro Nava é um médico que começou a publicar suas memórias aos setenta anos: está no quinto volume. Os dois primeiros são obras-primas da prosa brasileira, diria mesmo da ficção brasileira. Porque Pedro Nava criou uma espécie de evocação do passado que se manifesta como ficção. Eis aí, a meu ver, outro grande escritor. O conto contemporâneo também é muito interessante. Por exemplo, autores como Rubem Fonseca e João Antonio atingiram uma escrita esplêndida, na qual quase não há fronteira entre o falado e o escrito. A sua força por vezes me recorda Céline. Nada mal, para uma média, não?

Abaixo texto original em francês:
"Les rapports viscéraux qui nous unissent aux cultures d'Occident"


Né en 1918, Antonio Candido - ancien professeur de théorie littéraire à l'université de Sao-Paulo, dont la formation a été d'abord sociologique et philosophique - est considéré aujourd'hui comme un des intellectuels les plus importants du Brésil. Son ¿uvre est essentielle pour connaître la littérature de ce pays (1). Jorge Coli, qui est Brésilien, et qui enseigne l'esthétique à l'université de Toulouse, a rencontré Antonio Candido à Rio.
Jorge COLI: Quel est, à votre avis, l'originalité de la littérature brésilienne dans le contexte des littératures occidentales?

Antonio CANDIDO: Comme vous le savez, ce problème soulève au Brésil beaucoup de susceptibilités nationalistes. L'histoire de la littérature brésilienne et la conception que nous avons de notre propre culture se sont développées dans un rejet constant des liens qui nous rattachaient à la métropole, le Portugal, et, par extension, aux autres métropoles européennes. À un point tel que l'on a un peu sous-estimé, un certain temps, les rapports viscéraux qui nous unissaient aux cultures d'Occident.
Je suis moi-même parfois traité de "mauvais Brésilien", d'antinationaliste, dans la mesure où je soutiens que notre littérature - c'est l'évidence même - est une littérature d'Occident. À l'époque romantique, les nationalistes reprochaient à la littérature de la période coloniale d'être artificielle. D'après eux, dans un pays métissé et primitif comme le Brésil, il était ridicule de parler bergers, bergères et bergeries, en obéissant à la mode du genre bucolique. En réalité, le degré d'artifice était peut-être un peu plus poussé dans notre pays, mais il était également présent en France, en Angleterre, en Espagne ou en Italie. Tout comme ici, c'était une convention. L'important, c'est que ces genres venus d'Europe ont permis, en fin de compte, de relier notre pays à la culture d'Occident. Ce que beaucoup de critiques, d'historiens, considèrent comme une espèce d'asservissement m'apparaît plutôt comme la préparation d'une libération. C'est l'acquisition du langage du maître qui permettra de s'opposer à lui.

L'influence française

Jorge COLI: La littérature brésilienne, surtout aux dix-septième et dix-huitième siècles, et en partie au dix-neuvième, me semble extrêmement ambiguë, en ce sens qu'elle peut être comprise à la fois comme un prolongement de la littérature portugaise et comme une opposition à cette littérature. L'exotisme indien, par exemple, l'indianisme, a été très développé par les romantiques. Pourquoi ?

Antonio CANDIDO: En partie grâce à l'influence française, à Chateaubriand et aux premiers théoriciens de la littérature brésilienne, qui ont été des Français : Ferdinand Denis, Philippe Gavet, Daniel Boucher, Monglave. Mais peut-on dire que cela a été imposé par la mode française ? Oui et non, car l'indianisme brésilien existait déjà au dix-huitième siècle. Ainsi fut-il à la fois l'affirmation d'un particularisme littéraire national et une manifestation supplémentaire des liens avec l'Occident. À mon avis, notre littérature continue d'être une branche de la littérature d'Occident.

Jorge COLI: Et quels sont alors ses rapports avec les littératures des autres pays latino-américains ?

Antonio CANDIDO: Il faut remarquer, je crois, que le même processus s'est vérifié en Amérique de langue espagnole. Le Mexique, le Pérou, l'Argentine, ont connu les genres nobles espagnols, l'imitation de l'Antiquité, puis le romantisme d'inspiration française. Mais parlons des relations de la littérature du Brésil avec ses littératures sœurs, qui passaient à peu près par les mêmes étapes. On dit chez nous - et c'est vrai - que notre pays a toujours dirigé son regard vers l'Europe en tournant le dos à ses voisins. Il y a eu une grande méconnaissance mutuelle.
Fait curieux, au dix-neuvième siècle les liens entre le Brésil et les autres pays d'Amérique latine se sont établis en grande partie par l'intermédiaire de l'Europe, et surtout de la France. Grâce au modèle français, on pouvait lutter contre la métropole politique, tout en se réclamant d'une littérature européenne : on s'opposait ainsi à la littérature portugaise ou espagnole en s'inféodant à la française. La littérature française a donc été un facteur de libération, car elle a suscité une " imitation libératrice ". Et cette espèce de francisation générale de l'Amérique latine a créé évidemment des liens d'affinité. L'influence de Chateaubriand, par exemple, était présente au Brésil, au Mexique, au Pérou, en Argentine - l'indianisme, ou l'indigénisme, se manifestait alors un peu partout. Le même phénomène se produit plus tard avec Zola et le naturalisme. Donc, au dix-neuvième siècle, l'influence européenne en général, française en particulier - car c'était elle la plus importante, - a été un premier facteur de rattachement entre ces pays qui s'ignoraient. C'est pour cela qu'un intellectuel latino-américain - je ne sais plus qui - a fait, au siècle dernier, cette déclaration : " Tout Latino-Américain a deux patries, la sienne et la France. " Ce qui nous semble profondément ridicule aujourd'hui, mais qui n'est pas dépourvu d'un certain sens historique.
Au-delà de cette convergence, les rapports concrets entre les littératures sud-américaines étaient ténus, mais ils ont existé. Laissez-moi vous citer quelques cas pittoresques. Il s'est produit une révolte assez considérable chez les Indiens péruviens - je ne sais pas exactement la date, dans les années 1780, je crois, - connue comme révolte Tupac-Amaro, du nom de celui qui en avait pris la tête et qui se prétendait descendant des Incas. Or, Basilio da Gama, un des grands poètes brésiliens du dix-huitième siècle et qui vivait alors au Portugal, a écrit un sonnet de soutien à Tupac-Amaro, témoignage d'une conscience qui dépassait les frontières culturelles brésiliennes.
Un autre exemple: au début du dix-neuvième siècle, comme vous le savez, le Nord-Est s'est séparé de l'Empire brésilien et a pris le nom de Confédération de l'Équateur. La République a été proclamée et a duré quelques mois. Le secrétaire de cette République, qui s'appelait José da Natividade Saldanha, a dû prendre la fuite pour se réfugier en France. Il existe des rapports très curieux des polices du Havre et de Paris sur ce personnage, qui était en train par ailleurs d'écrire une tragédie sur Atahualpa, l'un des derniers Incas. Le rapport de la police française dit expressément: c'est quelqu'un de dangereux car " il prêche la rébellion des castes d'Amérique latine " - les " castes " étant les métis, les métis d'Indiens et de Noirs.
Donc, voici en France un Brésilien réfugié, qui écrit une tragédie sur un empereur inca, en faisant des Indiens péruviens des symboles de liberté. D'ailleurs, ce même écrivain s'est rendu ensuite au Venezuela, où il a connu Simon Bolivar et a lutté pour l'indépendance de ce pays. Il est mort à Caracas. D'autres auteurs ont possédé le sens du continent : ainsi le romantique Fagundes Varela, qui évoque le " génie de l'Amérique " dans ses poèmes ; ou Sousândrade - longtemps oublié puis remis à l'honneur de nos jours par l'avant-garde brésilienne, - qui a publié en 1877 son poème le Guesa errante (le " Guesa " étant le symbole précolombien de l'Indien errant). Mais, bien entendu, le problème des rapports vivants, des rapports profonds, ne se pose que de nos jours.

Jorge COLI: Et ces rapports actuels, comment les voyez-vous ?

Antonio CANDIDO: Il s'agit d'un phénomène très récent, qui tient en partie au fameux " boom " de la fiction hispano-américaine. À un certain moment, les lecteurs brésiliens se sont mis à lire bien plus volontiers les romanciers de l'Amérique espagnole que les Européens.

L'aspect positif des dictatures militaires

Mais je vois surtout ces rapports comme une conséquence de l'avènement des récentes dictatures militaires. La première a surgi au Brésil en 1964; on pourrait dire que le Brésil a donné le mauvais exemple à l'Amérique latine en instaurant une dictature réactionnaire et répressive, qui a entraîné l'exode des intellectuels, comme vous le savez. Des sociologues, des philosophes et des économistes ont dû aller vivre en Uruguay, en Argentine, au Chili, au Pérou, au Mexique. Cela a coïncidé avec l'essor de la littérature hispano-américaine, le début d'une réflexion sociologique et économique à l'échelle de l'Amérique latine, et aussi avec le grand espoir de la lutte armée, incarné surtout par Cuba. Ce grand remous a mis les intellectuels en contact: ce fut l'aspect positif de cet énorme phénomène négatif de l'exil, de la fuite, de la persécution. Puis les coups d'État se sont succédé, en Argentine, en Uruguay, au Chili enfin, qui avait été le grand refuge. Au Chili, des liens s'étaient vraiment noués entre les Latino-Américains, Santiago-du-Chili était devenu un carrefour. Et j'ajouterai qu'un rôle très important a été joué non seulement par les pays qui ont accueilli les intellectuels persécutés- le Chili et le Mexique, notamment - mais aussi par Cuba. Isolée, mise au ban de l'O.E.A., Cuba a dû percer des trous pour respirer, et un de ces trous a été percé justement du côté de la culture. Cuba se saigne aux quatre veines pour promouvoir des congrès, des prix littéraires, des compétitions sportives ; le prix et la revue Casa de las Americas sont un point de rencontre très important pour les intellectuels.
Et voilà où je voulais en arriver : un phénomène tout à fait nouveau se produit. Jusqu'aux années 60, les grands médiateurs culturels entre les Latino-Américains ont été les pays " métropolitains ", les pays impérialistes : les États-Unis, la France, l'Allemagne, l'Italie, l'Angleterre. La première fois que j'ai rencontré un nombre significatif d'intellectuels latino-américains, ce fut à Gênes vers 1965, et j'en ai connu beaucoup à Paris, aux États-Unis, puisque c'étaient les Européens et les Américains qui organisaient les congrès, à l'exemple de l'Institut de l'Amérique latine à Paris, dirigé par mon maître Pierre Monbeig. Mais, à partir des années 60, grâce au gouvernement Allende, à celui des militaires progressistes du Pérou, grâce au gouvernement mexicain, toujours ouvert aux exilés, et surtout grâce à Cuba, nos rapports sont devenus directs. Je crois donc que nous n'avons plus besoin de la médiation américaine ni européenne.

Jorge COLI: Pouvons-nous constater une incidence directe de la nouvelle configuration culturelle latino-américaine sur la littérature brésilienne plus récente?

Antonio CANDIDO: Maintenant, nos littératures sont beaucoup plus mûres, beaucoup plus riches. Mario de Andrade disait souvent que l'important n'est pas la manifestation de génies, parce que, des génies, il y en a toujours. Par exemple, le poète brésilien du dix-septième siècle Gregorio de Matos a été un très grand génie - solitaire. Un autre très grand génie, au dix-neuvième siècle, Machado de Assis, était presque seul... Mario de Andrade ajoutait: “Ce qui est important pour une littérature, c'est l'établissement et la consolidation de la moyenne. " Auparavant, il y avait quelques œuvres de grande envergure à côté d'un menu fretin sans importance. Aujourd'hui, le menu fretin et les grandes œuvres sont toujours là, mais la moyenne est très solide. Cette solidité est, à mon avis, symptôme de maturité.
Je crois que cette connaissance mutuelle de nos littératures, encore trop faible, a influencé la littérature brésilienne. Par exemple, dans les années 40, mon ami Murilo Rubiao a publié un remarquable livre de contes intitulé l'Ex-magicien. Sans grand retentissement, il a continué à écrire ses contes insolites et fantastiques. Mais après Borges, Cortazar, Garcia Marquez, on a découvert Murilo Rubiao, qui est alors passé des coulisses à l'avant-scène. Il est donc resté un très grand écrivain méconnu jusqu'à l'éclosion du fameux " réalisme fantastique ", si présent dans la littérature latino-américaine.

Jorge COLI: Après l'intérêt manifesté à l'étranger pour les littératures hispano-américaines, on commence à découvrir, petit à petit, la littérature brésilienne. D'après vous, quels sont le rôle et l'apport de notre littérature dans ce contexte latino-américain?

Antonio CANDIDO: Commençons par établir une distinction que je crois très utile, particulièrement pour le lecteur étranger. Quand on parle de littérature latino-américaine, on pense toujours à la littérature de langue espagnole prise comme un ensemble d'une richesse extraordinaire. Mais la situation change si vous décomposez cet ensemble, nation par nation, car les grandes individualités se trouvent isolées dans leur pays : au Guatemala, Miguel Angel Asturias ; à Cuba, Lezama Lima, Cabrera Infante, Carpentier ; au Mexique, Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Perizer...

Une position d'infériorité même en Amérique latine

Alors, si vous opposez la littérature brésilienne non pas à l'ensemble hispano-américain, mais à chacun des pays qui le composent, elle prend un relief exceptionnel, car elle est sans doute la plus importante des littératures nationales. Inversement, si vous comparez la littérature de langue portugaise à celle de langue espagnole, la balance penche de l'autre côté.
La littérature brésilienne est moins connue chez nos voisins que leur littérature au Brésil. Nous lisons, depuis une vingtaine d'années, tout ce qui est important dans les littératures de langue espagnole, et la réciproque n'est pas vraie. Donc, cela veut dire que la littérature brésilienne est en situation d'infériorité, même en Amérique latine, pour ne pas parler de l'Europe où elle est vaguement comprise dans cet immense ensemble latino-américain. Mais, pour compléter ma réponse, je dois dire que le Brésil a aujourd'hui en Guimarâes Rosa un écrivain exceptionnel. Vraiment, un très grand génie, un auteur de la plus haute qualité, pas seulement pour l'Amérique latine, mais sur le plan mondial. Le Brésil possède un poète - Joâo Cabral de Melo Neto - qui est, dans son domaine, presque aussi grand que Guimarâes Rosa. Et, à côté de ces deux écrivains, qui sont, à mon avis, parmi les plus remarquables d'Amérique latine, il y a la " bonne moyenne " dont nous parlions.
Je signalerai, par exemple, un phénomène littéraire curieux, récent, et, je crois, universel : le genre des mémoires, qui atteint la plus haute qualité littéraire. Il a donné naissance, au Brésil, à une réussite absolument hors pair, celle de Pedro Nava. Pedro Nava est un médecin qui a commencé à publier ses mémoires à soixante-dix ans ; il en est au cinquième volume. Les deux premiers sont des chefs-d'œuvre de la prose brésilienne, je dirais même de la fiction brésilienne. Car Pedro Nava a créé une espèce d'évocation du passé qui se manifeste comme de la fiction. Voilà, à mon avis, un autre grand écrivain. Le conte contemporain est aussi très intéressant. Par exemple, des auteurs comme Rubem Fonseca et Joâo Antonio sont arrivés à une écriture splendide, où il n'existe presque plus de frontière entre le parlé et l'écrit. Leur force me rappelle parfois Céline. Pas mal, pour une moyenne, non?"

(1) Notamment, Formação de Literatura Brasileira (Formation de la littérature brésilienne), 1959.


Propos recueillis par JORGE COLI.