quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013


Carta de J.R.R. Tolkien a seu filho Michael Tolkien
 
6-8 de março de 1941

"Existe em nossa Cultura Ocidental uma tradição romântica de cavalaria ainda forte, que embora seja um produto da cristandade, os tempos lhe são hostis. Ela idealiza o 'amor' - e na medida em que o faz pode ser muito proveitosa, desde que leve em conta mais do que o simples prazer físico, e prescreva (se não pureza) ao menos a fidelidade, abnegação, serviço, cortesia, honra e coragem. 

Sua fraqueza é, naturalmente, que começou como um artificial jogo palaciano, uma maneira de desfrutar o amor por si mesmo, sem referência ao matrimônio. Seu centro não era Deus, mas divindades imaginárias, o Amor e a Dama. Esta tradição ainda tende a tornar a Dama numa espécie de estrela-guia ou divindade, o objeto ou razão da conduta nobre masculina. Isto é, naturalmente, falso e na melhor das hipóteses ficcional. A mulher é outro ser humano caído e com a alma em perigo. Mas combinada e harmonizada com a religião, essa tradição pode ser muito nobre. 

Então é produzido o que suponho que ainda é percebido, entre aqueles que mantêm algum vestígio de cristianismo, como o mais alto ideal de amor entre homem e mulher. Entretanto eu ainda penso que há perigos. Não é totalmente verdadeiro, e não é perfeitamente 'teocêntrico'. Isso subtrai - já no passado o fazia - o olhar masculino de enxergar a mulher como ela é: companheira de naufrágio e não estrela-guia. 

Um resultado disso é, por observação do real, fazer o jovem tornar-se cínico. Faz o homem esquecer seus desejos, necessidades e fraquezas. Inculca noções exageradas de 'amor verdadeiro', como um fogo exterior, uma exaltação permanente, sem relação com a idade, gravidez, e vida simples, e sem relação com a vontade e o propósito. Um resultado disso é fazer que os jovens busquem um 'amor' que irá mantê-los sempre felizes e quentes em um mundo frio, sem qualquer esforço deles, e o romântico incurável continuará buscando o amor, mesmo na miséria dos tribunais de divórcio."

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


Entrevista com Antonio Candido



Entrevista concedida a Jardel Dias Cavalcanti, Jaílson Dias Carvalho, Mario Alex Rosa, publicada no jornal Reviraarte (UFOP, Mariana/M.G, Ano I, n. 3, 1992), editado pelos mesmos. 

A entrevista aconteceu no momento do Seminário: "Tiradentes: mito, cultura e história", em 14 de agosto de 1992, quando Antonio Candido deu a belíssima palestra "Os poetas da Inconfidência", que está publicada em "IX Anuário do Museu da Inconfidência" (Ouro Preto, 1993). Outros participantes do seminário foram: Kenneth Maxwell, Francisco Iglésias, Sergio Paulo Rouanet, Fernando Novais, Caio Bosch e Fabio Lucas.

ENTREVISTA:

Jaílson Dias Carvalho: Professor, você diz no seu livro “Tese e Antítese” que no âmago da arte literária de Graciliano Ramos há um intenso desejo de testemunhar sobre o homem, e que os personagens criados, como ele próprio, são projeções deste impulso fundamental; e que Graciliano Ramos jamais se repetia tecnicamente. Para ele, uma experiência literária efetuada era uma experiência humana superada. A minha pergunta é a seguinte: como testemunhar sobre o homem hoje e o que testemunhar, tendo em vista esta reflexão do senhor segundo o qual uma experiência literária efetuada é uma experiência humana superada?

Antonio Candido: Bom, eu falava do caso preciso de Graciliano Ramos, que não é obrigatoriamente o caso de todos os escritores. Cada um tem o seu caminho. Há escritores que se repetem sem parar. Há escritores que dão seu testemunho, repetindo-se sempre, dizendo sempre a mesma coisa.  Eu não posso dizer hoje em dia qual é o caminho. Como no tempo de Graciliano, existem escritores que dão o seu recado e ficam quietos. E há escritores que não param de dar de dar o mesmo recado sempre. Mas nós temos, por exemplo,  alguns grandes escritores que são autores de um livro só. Deram seu recado. É o caso, por exemplo, de um grande escritor francês: Benjamim Constant, que escreveu um livro notável de testemunho sobre a formação de um jovem, sobre o tempo dele [Antonio Candido se refere ao livro “Adolphe”, escrito em 1816]. Escreveu aquele livro e pronto, ficou quieto. O caso de Graciliano Ramos é um caso específico. Eu creio que eu não posso aplicar a outro, pois é o único escritor de literatura brasileira que eu conheço que queimava etapas. Quer dizer, ele não se repetia. Essa observação foi feita por Aurélio Buarque de Holanda. Cada romance de Graciliano é diferente do outro. Agora, a ideia que eu tenho, é o seguinte: que a passagem dele do romance para a autobiografia foi uma etapa desse desejo de testemunho nosso. Que o desejo dele de testemunhar sobre o homem era tão profundo que ele deu testemunho sobre o homem da pequena cidade, sobre o explorador de homens, sobre o homem esmagado, sobre o pequeno burguês dilacerado pela dúvida e pelo ciúme, e depois sobre ele próprio. Feito isso ele ficou quieto.




Jardel Dias Cavalcanti: Gostaria de saber do senhor: qual é a possível relação entre história e literatura?

Antonio Candido: É a mais profunda possível. Você sabe que modernamente houve correntes teóricas da literatura, como o estruturalismo, por exemplo, que acentuaram o caráter ahistórico do texto. O que é uma etapa compreensível dos estudos. Porque se a gente pensa demais no texto como produto histórico, a gente pensa na história e não no texto. Então, eu vou ver, por exemplo, “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães, não como um romance, mas como um documento sobre a escravidão. Enquanto o romance não é documento. O romance é uma criação autônoma. Então, os estruturalistas disseram: o importante é nos fecharmos no texto, porque os textos obedecem não às circunstâncias onde eles estão inseridos, mas a certos modelos intemporais da imaginação que são válidos para todos os tempos. Este é um ponto de vista respeitável, mas isso eu considero apenas uma questão da etapa metodológica. Porque no fim o texto está na história. Eu posso abstrair o texto da história apenas para estudar, como eu posso, por exemplo, tirar o olho de um cadáver e estudar apenas o olho se eu for oftalmologista, mas depois eu tenho que pensar o olho, não em si, mas como parte do corpo humano, porque ele recebeu a função do corpo. Então, da mesma maneira que cada um de nossos órgãos pode ser estudado independentemente, como se fosse um todo autônomo, mas eu só posso compreendê-lo se eu o devolvo ao seu contexto, também eu só posso entender o texto literário se eu o devolvo ao seu contexto histórico. O grande texto literário é sempre um testemunho, não é um documento. O nosso querido aqui pegou uma coisa que eu acho fundamental, o texto como testemunho. O texto é um testemunho. Porque, se não, ele é um documento. Qual a diferença entre o testemunho e o documento? O documento é uma coisa que serve para fazer ver uma realidade externa. O testemunho é uma visão pessoal do mundo, não é? Isso é que é a literatura. Agora, cada etapa da literatura, cada época da literatura, a beleza dela é que ela modifica a visão de mundo. Marcel Proust dizia que todas as vezes que nasce um grande escritor, o mundo é criado de novo. Porque o mundo que ele vai ver, não é o mundo que o predecessor viu; nesse sentido é que eu digo que a literatura é um testemunho, e o escritor é um observador privilegiado, porque ele não cria um documento, ele cria uma visão de mundo. Na medida em que ele cria uma visão do mundo ele está enraizado na história, mesmo que ele não tenha consciência disso.
No meu trabalho, por exemplo, eu tenho uma etapa de crítico literário e tenho uma etapa de historiador da literatura. Quando eu sou um crítico literário eu tendo a me fechar no texto, quando eu sou um historiador da literatura eu tendo a incluir o texto no seu contexto histórico. Eu conheci pessoalmente o grande Lucien Febvre, pai da história francesa moderna. Lucien Febvre dizia que a única ciência do homem que existe é a história, porque tudo é história, e de fato. Basta vocês verem como todas as disciplinas humanas passam de moda e a história não passa. Ninguém mais fala em sociologia hoje. No meu tempo era a ciência de ponta, mas acabou. Agora, a história é a ciência do homem, pois tudo aquilo que se refere ao homem chega um momento em que toca a dimensão histórica.


Jardel: O senhor acha que dentro da análise da história da arte, a análise estética abrangeria muito mais, seria mais profunda, ao analisar uma obra de arte, que uma análise histórica da arte?

Antonio Candido: Olha, eu não diria que ela vai além. Ela vê uma outra dimensão. Vocês notem que todas as visões que transformaram a nova concepção de obra de arte são visões históricas. É a visão de Hegel, por exemplo, é a visão de Taine, não é? É a visão, em nossos dias, do Hauser, é a visão do Panofsky. São visões históricas, que perguntam, por exemplo, qual era a função de tal conjunto instrumental naquele momento histórico a que ele correspondia. Porque surgiu aquele conjunto instrumental? Quer dizer que a história estava sempre aí. Eu gosto muito de música, aquela que eu considero a forma mais culta de música e a de que eu gosto mais é o quarteto de cordas. O quarteto de cordas, se a gente vê, é um conjunto de dois violinos, uma viola, e um violoncelo. Parece que alguém teve a ideia de juntá-los porque sentiram que esteticamente daria um conjunto perfeito. Não foi! Foi porque os seresteiros de Viena não poderiam carregar o cravo, e quem fazia o baixo continuo era o cravo. Mas carregar o cravo era muito pesado, e então eles passaram a levar o violoncelo para fazer o baixo contínuo, aí nasceu o conjunto de cordas, e numa circunstância fortuita, historicamente documentada e ligada à evolução da técnica. De modo que o histórico e o estético estão de tal maneira interagidos, é que eu digo, não é que um seja superior a outro, cada um é um momento da visão. Há o momento da visão estética e há o momento da visão histórica. O que eu sustento é que é um erro querer hipertrofiar a visão da obra como um todo autônomo, porque há um momento em que sempre nós temos que voltar à história. Nós partimos da história e voltamos à história. Por exemplo, o caso do estruturalismo. Eu costumava dizer aos meus alunos em São Paulo que o estruturalismo é muito bom para ficar no texto, mas que a gente não pode ficar no texto. A gente tem que entrar no texto e tem que sair dele. Então sair do texto é saber o que ele significa realmente do ponto de vista da história.

Mário Alex Rosa: O poeta foi expulso da República por Platão. Há espaço para o poeta hoje? O senhor vê uma crise na poesia brasileira hoje?

Antonio Candido: Para começar, porque Platão expulsou o poeta da República? Diante da crítica moderna nós dizemos que há duas correntes: a platônica e a aristotélica. A crítica aristotélica é aquela que se fecha na obra de arte, considera a coisa como sistema sem estudá-lo. A crítica platônica é aquela que quer ver qual é a função da obra de arte e como, para Platão, a obra de arte pode desviar a atenção dos homens de coisas mais sérias, ele expulsou o poeta. Não vamos tratar disso. Agora, não é que o poeta seja um funcionário da coletividade. O poeta não é destacado para fazer nada, ele simplesmente cria. Acontece que ao criar, ele dá voz àqueles que não têm voz. Eu sou incapaz de dizer sobre o mundo o que Carlos Drummond de Andrade diz, eu sinto que é aquilo que eu queria dizer do mundo. Só que ele é o Drummond, e eu sou um pobre diabo. Eu não seria capaz de dizer aquilo. O poeta é o nosso delegado. O poeta é o homem que nos representa, é o nosso deputado – logo, nós precisamos sempre dele. Por isso é que não há cultura sem poeta. Há momentos em que há maiores poetas e momentos em que há menores poetas. Há momentos de florescimento. Nós vamos estudar um momento excepcional que foi a escola mineira, depois nunca mais Minas Gerais teve um grupo como aquele do fim do século XVIII. Isso não é a terra que cria. São uma série de circunstâncias fortuitas ligadas a motivações culturais e ao gênio de cada um. Em todas as sociedades o poeta está presente como um intérprete. Nos nossos dias, no Brasil, neste momento, eu não vejo a presença de grandes poetas. Eu vejo a presença de muito boa poesia. Mais que no meu tempo de moço. Neste a gente via andar pela rua Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Vinicius de Moraes. Depois, já na minha idade, João Cabral de Mello Neto. Depois deles nunca mais o Brasil teve poetas dessa altura. Mas há uma quantidade de jovens poetas de meia idade e jovens mesmo, que são excelentes poetas. A poesia está sempre ai. Como dizia Emilio Moura, um poeta mineiro que era meu amigo, a poesia é eterna. Podem querer matá-la, mas ela renascerá sempre.



Jardel Dias Cavalcanti: Posso fazer mais uma pergunta?

Antonio Candido: Olha, tem uma senhora me esperando. Fazer esperar uma senhora, não há poesia que justifique. (risos de todos).

Jardel Dias Cavalcanti: Comemorou-se nos últimos dias a Semana de Arte Moderna e falou-se muito em Oswald de Andrade – parece que recuperado pelo Haroldo de Campos – e o Mário de Andrade, que me parece uma pessoa fabulosa, porque não se falou tanto nele?

Antonio Candido: O Mário de Andrade? O centenário dele é no ano que vem. É o seguinte: Mário de Andrade foi um homem muito glorificado em vida. Um homem que foi reconhecido em vida. E o Oswald não foi. Foi um homem injustiçado, de modo que depois há um momento histórico em que há uma espécie de báscula. Chegou a hora de Oswald – e os poetas concretos fizeram um grande movimento de restauração do Oswald porque eles consideravam o Oswald o seu precursor. A obra de Oswald é muito irregular – ao contrário da obra do Mário. A obra do Mário é muito mais sólida. O Mário é uma personalidade com uma envergadura cultural muito maior que Oswald. Agora, Oswald é um homem que nos momentos me que acertou, acertou mesmo. De modo que foi muito justo que o Oswald voltasse, porque ele andava muito esquecido. Eu fui muito amigo do Oswald de Andrade. Fui compadre dele, eu sou padrinho do filho mais moço dele. Eu fui mais amigo do Oswald que do Mário. Mas eu reconheço que o Mário de Andrade era de muito mais envergadura cultural. A explicação é essa: como Mário foi muito glorificado em vida, passa por um período de eclipse. O Oswald, que foi injustiçado em vida, passa por um período de glória. Daqui a pouco vai haver a virada simétrica de Mário de Andrade.




CAPA do jornal REVIRAARTE, onde a entrevista foi publicada:



domingo, 17 de fevereiro de 2013

ROBERT SMITHSON - O QUE É UM MUSEU?



O que é um museu?


Um diálogo entre

Allan Kaprow e Robert Smithson

(Tradução: Jardel Dias Cavalcanti)
(ainda sem as devidas correções finais)


Allan Kaprow: Era uma vez uma arte que foi concebida para os museus, e o fato dos museus parecerem mausoléus pode realmente revelar-nos a atitude que tivemos em relação à arte no passado. Era uma forma de prestar homenagem aos mortos. Agora, eu não sei mais o quanto de trabalho útil do passado deve ser exibido ou respeitado. Mas se vamos falar sobre as obras que estão sendo produzidas nos últimos anos, e quais vão ser produzidas no futuro próximo, então o conceito do museu é completamente irrelevante. Gostaria de prosseguir com a questão do meio ambiente da obra de arte, que tipo de trabalho está sendo feito agora, onde pode ser melhor apresentado, além de um museu, ou seu equivalente em miniatura, a galeria.


Robert Smithson: Bem, parece-me que há uma atitude que tende para o McLuhanismo, e esta atitude tende a ver o museu como uma estrutura nula. Mas eu acho que a nulidade implícita no museu é, na verdade, um de seus principais valores, e que isso deve ser percebido e acentuado. O museu tende a excluir qualquer tipo de força vital. Mas parece que há no museu agora uma tendência para se tentar animar as coisas, e que toda idéia de museu parece estar tendendo mais para um certo tipo de entretenimento especializado. É tomar cada vez mais e mais os aspectos de uma discoteca e cada vez menos os aspectos da arte. Então, eu acho que a melhor coisa que você pode dizer sobre museus é que eles realmente estão se anulando em relação à ação, e eu acho que esta é uma de suas maiores virtudes. Parece que as suas posições é as daquele que está preocupado com o que está acontecendo. Eu estou interessado na maioria das vezes no que não está acontecendo, na área entre os eventos que friamente pode-se chamar de lacuna. Esta lacuna existe nas regiões em branco e nulas ou nas configurações que nós nunca olhamos. Um museu dedicado a diferentes tipos de vazio poderia ser desenvolvido. O vazio poderia ser definido pela instalação atual da arte. As instalações devem ser quartos vazios, não deveríamos preenchê-los.


Allan Kaprow: Museus tendem a fazer concessões cada vez maiores para a idéia de arte e vida como sendo relacionadas. O que há de errado nisso é que eles fornecem vida enlatada, uma ilustração estetizada da vida. "Vida" no museu é como fazer amor em um cemitério. Eu estou atraído pela idéia de limpar os museus e deixar os melhores projetos como o Guggenheim existir como escultura, como obra, como tal, quase fechado para as pessoas. Seria um compromisso positivo com a sua função como mausoléu. No entanto, tal ato iria colocar tantos artistas fora do negócio ... Eu me pergunto se não há uma alternativa à margem da vida e da arte, em que a zona marginal ou penumbral, que você falou de forma tão eloquente, se, nas bordas das cidades, ao longo de rodovias com seus vastos afloramentos de supermercados e shoppings centers, serrarias intermináveis​​, casas de pechincha, se esse não seria o mundo que ideal para você, pelo menos. Quero dizer, você pode imaginar-se trabalhando nesse tipo de ambiente?


Robert Smithson: Eu estou tão distante desse mundo que parece estranho para mim quando eu vou , de modo que não participo diretamente deste mundo, ele me fascina, porque eu tenho a certeza de uma certa distância dele, e eu faço tudo para criar o máximo de distância possível. Parece que eu gosto de pensar e olhar para os subúrbios e as periferias, mas, ao mesmo tempo, eu não estou interessado em viver lá. É mais um aspecto do tempo. É o futuro - a paisagem marciana. Por uma distância eu quero dizer uma consciência desprovida de auto-projeção. Eu acho que alguns dos sintomas, como o que está acontecendo na área de construção de museus, estão refletidos inclusive no museu subterrâneo de Philip Johnson, que em certo sentido enterra alguns tipos de arte abstrata em outro tipo de abstração, o que realmente torna-se uma negação da negação. Eu sou a favor de uma perpetuação deste tipo de distanciamento e mudança, e eu acho que o projeto de Johnson para a Ellis Island é interessante na medida em que ele vai para destruir este edifício do século XIX e transformá-lo em uma ruína, e ele diz que vai estabilizar as ruínas, e ele também está construindo este edifício circular que não é nada realmente, mas um  todo, mas ainda está um pouco relutante em dar a sua vida, forçando atitudes. Ele gostaria de equilibrar os dois. Mas, eu acho que o que é interessante é o equilíbrio do lago. Quando você tem um Happening você não pode ter uma ausência de acontecimento. Tem que haver esse dualismo, que eu temo virar um monte de idéias sobre  humanismo e unidade. Acho que os dois pontos de vista, unidade e dualismo, nunca vão se reconciliar e que ambos são válidos, mas, ao mesmo tempo, eu prefiro o último na multiplicidade.


Allan Kaprow: Há uma outra alternativa. Você mencionou a construção de seu próprio monumento, no Alasca, talvez, ou no Canadá. O mais remoto, o mais inacessível, seria talvez o mais satisfatório. Isso é verdade?


Robert Smithson: Bem, eu acho que, em última análise, seria decepcionante para todos, incluindo eu mesmo. No entanto, a verdadeira decepção oferece possibilidades.


Allan Kaprow: O que me perturba é a margem de extremismo de uma das nossas posições. Por exemplo, eu preciso muitas vezes criar compromissos sociais em meus Happenings, enquanto que, da mesma forma, você e os outros que se opõem aos museus, no entanto, continuam mostrando trabalhos neles.


Robert Smithson: Extremismo pode existir em um contexto vão também, e eu acho que é mais aceitável o vão do que é puro. Parece-me que qualquer tendência à pureza também supõe que haja algo a ser alcançado, e isso significa que a arte tem algum tipo de ponto. Acho que concordo com a idéia de Flaubert de que a arte é a busca do inútil, e as coisas mais vãs são  que eu gosto mais, porque eu não fico sobrecarregado por uma pureza.

Eu realmente valorizo o indiferente. Eu acho que é algo que tem possibilidades estéticas. Mas a maioria dos artistas são tudo, menos indiferentes, pois eles estão tentando chegar com tudo, ligar, se conectar.

         

Allan Kaprow: Você gosta de obras de cera?

          Robert Smithson: Não, eu não gosto de obras de cera. Elas são realmente muito animadas. Uma coisa de cera se relaciona com a volta à vida, de modo que realmente há muita vida lá, e também sugere a morte, você sabe. Acho que os novos túmulos terão que evitar qualquer referência à vida ou à morte.


Allan Kaprow: Como Forest Lawn?


Robert Smithson: Sim, é uma tradição americana.


Allan Kaprow: Realisticamente falando, você nunca vai conseguir alguém para financiar um mausoléu - um mausoléu ao vazio, ao nada - embora possa ser a declaração mais poética de sua posição. Você nunca vai conseguir alguém para pagar o Guggenheim para ficar vazio durante todo o ano, embora para mim esta seria uma idéia maravilhosa.


Robert Smithson: Eu acho que isso é verdade. Eu acho que, basicamente, é uma proposta vazia. Mas ... eventualmente, haverá um renascimento da arte funerária.

Na verdade, nossos museus estão cheios de fragmentos, pedaços e peças de arte européia. Eles foram arrancados de estruturas artísticas, recebendo uma classificação nova e categorizada. A categorização de arte na arquitetura, pintura e escultura parece ser uma das coisas mais lamentáveis ​​que aconteceram. Agora, todas essas categorias estão se estilhaçando em mais e mais categorias, e é como uma avalanche interminável de categorias. Você tem cerca de 40 tipos diferentes de formalismo e cerca de uma centena de diferentes tipos de expressionismo. Os museus estão sendo guiados para uma espécie de posição paralisada, e eu não acho que eles querem aceitar isso, então eles criaram um mito fora da ação, eles criaram um mito da emoção, e há mesmo um monte de conversa sobre espaços interessantes. Eles estão criando espaços interessantes e coisas assim. Eu vi neve num espaço emocionante. Eu não sei o que é um espaço. No entanto, eu gosto da inutilidade do museu.


Allan Kaprow: Mas, de um lado vejo você se afastando da inutilidade para a utilidade.


Robert Smithson: Utilitário e arte não se misturam.


Allan Kaprow: Rumo à educação, por exemplo. Por outro lado, paradoxalmente. Eu vejo isso se afastando da plenitude real para uma plenitude burlesca. Como o próprio sentido da vida é sempre estético (cosmético), o seu sentimento de plenitude é aristocrático: tenta montar todos os "bons" objetos e idéias sob o mesmo teto para que não se dissipem e degenerem na rua. Isso implica um enriquecimento da mente. Agora, a classe alta (e da classe alta vêm-nos) está implícita no próprio conceito de museu, se os administradores do museu desejarem, e isso está simplesmente relacionado com questões atuais. Eu escrevi uma vez que este é um país de mestiços mais ou menos sofisticados. Minha plenitude e sua nulidade não têm estatuto que lhes sejam inerentes.


Robert Smithson: Eu acho que você tocou em um ponto interessante. Parece que toda arte é de alguma forma um questionamento de seu valor, e parece que não há grande necessidade das pessoas valorizarem seus atributos, para encontrar um valor significativo nela. Mas eu realmente não me importo sobre a sua boa configuração ou em fazer as coisas de alguma forma ideal. Eu acho que é tudo o que existe - independente de qualquer tipo de bem ou mal. As categorias de "boa arte" e "arte ruim" pertencem a um sistema mercadológicos de valores.

Allan Kaprow: Como eu disse antes, você enfrenta uma pressão social que é difícil de conciliar com as suas ideias. Atualmente, galerias e museus são ainda a principal agência ou "mercado" para o artista. Como as universidades federais e a educação, a cultura financia programas de construção de museus ainda mais, traduzindo-se na imagem do desenvolvimento do mecenato contemporâneo. Portanto, o seu envolvimento com as "exposição pessoais", por mais bem-intencionados que sejam,   derrota qualquer posição que você tome em relação ao não-valor de sua atividade. Se você diz que não é nem bom nem mau, os concessionários e curadores que se apropriam delas, que apoiam você pessoalmente, vão dizer ou implicar com o que fazer com elas.

Robert Smithson: O mecenato contemporâneo está cada vez mais público e menos privado. Bom e mau são valores morais. O que precisamos são valores estéticos.


Allan Kaprow: Como pode a sua posição, então, qualquer coisa, mas irônico, forçando em cima de você, pelo menos, um ceticismo. Como você pode se tornar qualquer coisa, exceto uma espécie de filósofo astuto - um homem com um sorriso de diversão em seu rosto, que cada ato está em itálico.


Robert Smithson: Bem, eu acho que o humor é uma área interessante. As variedades de humor são muito estranho ao temperamento americano. Parece que o temperamento americano não associar arte com humor. Humor não é considerado grave. Muitas obras estruturais realmente são quase hilariante. Você sabe, os mais burro, os mais estúpidos estão realmente beirando a um tipo de humor de concreto, e, na verdade, eu acho a idéia do mausoléu muito bem-humorado.


Allan Kaprow: Nossa comparação do Guggenheim, como uma metáfora intestinal, o que você chamou de "sistema de resíduos" parece bastante ao ponto. Mas isso, claro, não é nada mais do que outra justificativa para o homem do museu, para o publicitário museu, para o crítico museu. Em vez de alta gravidade é humor elevado.


Robert Smithson: alta seriedade e humor alta são a mesma coisa.


Allan Kaprow: No entanto, no momento em que começar a operar dentro de um contexto cultural, seja no contexto de um grupo de artistas e críticos, ou se é o contexto físico do museu ou galeria, você automaticamente associam essa identidade com algo incerto determinado. Alguém atribui a ele um novo nome categórica, geralmente uma variante de algum antigo, e, assim, ele continua a sua linhagem ou sistema familiar que torna tudo credível. O destino padrão de novidade é para ser justificada pela história. Sua posição é, portanto, irônico.

Robert Smithson: Eu diria que é tem uma visão contraditória de coisas. É basicamente uma posição inútil. Mas eu acho que para tentar fazer algum tipo de ponto imediatamente pára qualquer tipo de possibilidade. Eu acho que os pontos mais, melhor, você sabe, apenas uma quantidade infinita de pontos de vista.


Allan Kaprow: Bem, este artigo em si é irônico em que as funções dentro de um contexto cultural, no contexto de uma publicação de artes plásticas, por exemplo, e faz com que seus pontos apenas dentro desse contexto. Minha opinião tem sido, ultimamente, que só há duas saídas: uma implicando um máximo de inércia, que eu chamo de "idéia", arte que normalmente só é discutido em quando e nunca executados, ea outra existente em um máximo de atividade contínua, atividade que é de valor estético incerto e que localiza-se distante de instituições culturais. No minuto em que operam entre estes dois extremos que se desligou (em um museu).

In: SMITHSON, Robert. Robert Smithson: The collection writings. New York: New York University Press, 1979. P. 43-52.