quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Arte e Censura: alguns casos históricos



ARTE E CENSURA,
por Jardel Dias Cavalcanti

Alguns anos atrás o Museu D´Orsay, de Paris, recebeu como doação a obra “A origem do mundo”, de Gustave Courbet. A tela representava um recorte do corpo feminino apresentando, além da barriga e parte dos seios, a imagem da vagina num zoon excepcional. O quadro é belíssimo! O último proprietário do quadro foi o psicanalista Jacques Lacan, que ao morrer deixou a obra como doação ao D´Orsay.
Depois de fixado nas paredes do museu para ser visto ao lado de outras obras do século XIX, as mães francesas decidiram começar um movimento para a retirada do quadro, pois o museu é diariamente visitado por escolas infantis. A resposta do Ministro da Cultura foi de que o quadro não seria retirado, pois o que estava ali não era uma vagina, mas sim uma representação artística da mesma e deveria, portanto, ser vista dessa forma. Inclusive, era uma boa oportunidade para se ensinar às crianças que uma coisa é a arte e outra a realidade.
A censura à arte tem longa história. Por exemplo, o processo contra o escritor Gustave Flaubert, autor do clássico “Madame Bovary”, que narra a história de Emma, esposa de um médico da província sistematicamente traído pela esposa, cansada de um casamento entediante. Hoje o romance censurado como imoral é matéria de leitura obrigatória em todas as escolas secundárias da França, vindo, consequentemente, a ser lido pelos adolescentes franceses. Também a obra é distribuída em livrarias de todo o planeta como um dos maiores clássicos literários da humanidade. O que prova que toda censura à arte é, em geral, burra, pois desconsidera o essencial do objeto artístico: seu valor enquanto fato estético.
Oscar Wilde, autor censurado e perseguido na Inglaterra pela moral retrógrada vitoriana, tinha uma frase exemplar, colocada na primeira página de seu romance “O Retrato de Dorian Gray”, que dizia o seguinte: “Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo”. Ou seja, o único julgamento que uma obra de arte merece é o da sua qualidade artística.
Em seu livro “A Alma do Homem sob o Socialismo”, Oscar Wilde sugeriu que “sempre que uma sociedade, ou um poderoso segmento da sociedade, ou um governo de qualquer espécie, tenta impor ao artista o que ele deve fazer, a Arte desaparece por completo, torna-se estereotipada, ou degenera em uma forma inferior e desprezível de artesanato”.


Outro autor inglês censurado e acusado de imoralidade foi D. H. Lawence por causa do seu romance “O amante de Lady Chatterley”. Também o poeta francês Charles Baudelaire teve alguns poemas de sua obra “As flores do mal” censurados pelo mesmo motivo e o escritor e seu editor tiveram que ir a julgamento. Os poemas, hoje anexados livremente ao livro, foram retirados da edição original na época.
Há centenas de casos semelhantes em todas as artes, seja no cinema, no teatro, na literatura, na música, artes plásticas, etc. Todos se lembram do caso do filme “Je vous salue Marie”, do cineasta francês Jean-Luc Godard, censurado nos anos 80 e perseguido pelo vaticano que, inclusive, tentou proibir sua circulação. Hoje o filme é encontrado em qualquer loja de departamento, vendido, inclusive, a preço de banana.

No período da Ditadura Militar, com o AI-5 em vigor a partir de 1968, as prisões brasileiras ficaram cheias de escritores, diretores de teatro, atores e músicos. Obras censuradas, teatro sofrendo ataques à bomba, vidas sendo ceifadas. O tema da repressão invadiu alegoricamente as letras de música, as artes plásticas, o cinema.
Nas artes plásticas brasileiras temos o exemplo próximo da exposição da artista Márcia X, censurada em 2006 por expor dois pênis feitos com terços religiosos. O então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, se pronunciou dizendo que "toda censura é inaceitável. Os critérios para seleção de obras exibidas numa exposição devem ser de natureza estética, sob a responsabilidade de curadores ou de quem for designado para a tarefa... toda tutela na relação entre obra de arte e espectador é inaceitável.” E concluía Gilberto Gil dizendo que, segundo a Constituição brasileira, é "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Por isso, não pode haver mais em nosso país nenhum tipo de interdição a obras de arte e a outras formas de expressão".


           
A censura à arte não serve à cidadania, pois desrespeita a liberdade de criação e exibição, garantida pela Carta Constitucional. Quem deveria ser censurado é o censor, burro que é, por não saber que a história recupera seus transgressores e os transforma em ícones da liberdade e da criação, enquanto o censor é esquecido por seu desserviço à democracia. Os artistas, sim, são os exemplos da potência máxima do livre pensamento e da sensibilidade humana. Liberdade a eles!

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OBS: Texto originariamente publicado no Jornal de Londrina, 2011.
           

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