terça-feira, 9 de outubro de 2012


TETO

Samuel Beckett

(Tradução de Ana Helena Souza)

Ilustração de Gerald Thomas
 

Ao voltar a si a primeira visão é de branco. Algum tempo depois de voltar a si a primeira visão é de branco opaco. Por algum tempo depois de voltar a si os olhos continuam fechados. Quando por fim se abrem são saudados por esse branco opaco. Olhos da consciência fechados de ter voltado a si. Quando por fim se abrem são saudados por esse branco opaco. Olhos da consciência obscura obrigados a se fechar e ter voltado parcialmente voltado a si. Quando por fim obrigados se abrem eles são saudados por esse branco opaco. Olhos da consciência obscura desobrigados de se fechar de ter parcialmente voltado a si. Quando por fim desobrigados se abrem eles são saudados por esse branco opaco. Mais além não se pode.

Adiante.

Nenhum conhecimento de onde saíra. Nem de como. Nem de quem. Nenhum aonde chegara. Parcialmente chegara. Nem de como. Nem de quem. Nenhum de nada.  Salvo obscuramente de ter voltado a si. Com temor de ser de novo. Parcialmente de novo. Em algum lugar de novo. De algum modo de novo. Alguém de novo. Temor obscuro nascido primeiro da consciência só. Consciência obscura só. Confirmado quando por fim os olhos desobrigados abertos. Para esse branco opaco. Mais além não se pode.

 Adiante.

Consciência obscura primeiro só. Da mente só. Só voltado a si. Parcialmente a si. Então pior voltado de corpo também. Também voltado a si. Parcialmente a si. Quando por fim os olhos desobrigados se abrem. Para esse branco opaco. Mais além não se –
 
Adiante

Algo de alguém voltado a si. Em algum lugar de si. De algum modo a si. Primeiro a mente só. Algo da mente só. Então pior voltado o corpo também. Algo do corpo também. Quando por fim os olhos desobrigados se abrem. Para esse branco opaco. Mais além –

Adiante.

Opaco com o sopro. Sopro infinito. Sopro infinito findado. Querida visão temida.
 

 

 

Publicado em: BECKETT, Samuel. Companhia e outros textos. São Paulo: Globo, 2012.
 
Quem quiser ler o ensaio de Gerald Thomas sobre a tradução do livro de Beckett citado acima, visite:
 
 
 

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