quarta-feira, 14 de março de 2012

UMA ÉTICA DA ARTE - Nicolas Bourriaud

"Que importa a morte de vagas humanidades, se o gesto é belo."

"O ataque as torres foram a maior obra de arte do século" (Stockhausen)


“Se criticarmos a arquitetura, cujas produções monumentais são atualmente os verdadeiros senhores em toda a terra, estaremos, de certa forma, criticando o homem”. (Georges Bataille)

           A idéia de uma moral criativa ressurge como leitmotiv ao longo de todo o século XIX. Introduzir, porém, a criatividade no campo da moral significa necessariamente combater a norma coletiva; revitalizá-la é fazê-la explodir. Afirma-se a onipotência do Eu, eventualmente deificado, e tal atitude é percebida como uma provocação antissocial. É através do assassinato que o século XIX coloca o problema dessa relatividade da moral: o homicídio gratuito impõe-se como a figura exemplar da moral dândi, porque o mandamento “Não matarás” constitui o mais sólido pilar da moral universal. Precursor do dandismo negro, Sade elaborou um amoral da destruição: o assassinato não passa, para ele, de uma simples variação das formas. “Está acima das forças humanas provar que possa existir algum crime na pretensa destruição de uma criatura”, já que o impulso assassino, como todo impulso, se origina de um conselho da natureza, escreve ele em A filosofia da alcova.

O ensaio de Thomas de Quincey, Do assasinato como uma das belas-artes (1827), passa a ser o manual irônico do comportamento social. Seu contemporâneo Pierre-François Lacenaire, poeta e assassino, apresenta-se como “flagelo da sociedade” e declama seus poemas mesmo ao pé da guilhotina que lhe cortaria a cabeça em 1836.

Quanto a Baudelaire, escreve hinos ao linchamento dos miseráveis: “Bata, meu caro guarda municipal, o homem no qual você bate é um inimigo das rosas e dos perfumes”. Os escritores do final do século não ficam para trás no que se refere a entregar-se à crueldade estetizante: “Que importa a morte de vagas humanidades, se o gesto é belo”, confidencia Laurent Tailhade, a propósito de um atentado a bomba no Palais-Bourbon.

O inimigo declarado, a antítese, da moral dândi  é a multidão. Somente o Eu aparece como fundador de valores que escapam à imunda padronização dos comportamentos.

Seria preciso esperar mais de um século, e Joseph Beuys, para que a multidão encontrasse  sua legitimidade no âmbito de uma estética da invenção de si, já que ela se torna, no artista alemão, o material de uma escultura social.



In: BOURRIAUD, Nicolas. Formas de vida: a Arte Moderna e a invenção de si. São Paulo: Martins Fontes, 2011.


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