MÁRIO ALEX ROSA
PARA O INFERNO
dedicado a Arthur Rimbaud
Daime o inferno um instante
e farei do silêncio um segundo
e farei do silêncio um segundo
como a noturna deusa amante
à espera das almas sem mundo.
Sequer direi uma palavra de agrado
tomo soluço como escárnio
cobrindo a miséria de luto
cuspindo fogo no sagrado.
Haverei de ser ventania
cólera e coração ajoelhado
numa redoma de vidro inquebrável.
Tiro-me o glacê da vida
tomo todo corpo talho morfina.
Foi quase uma saída.
DONIZETE GALVÃO
Revendo Reverdy
O vento arrancava-lhe o chapéu.
O vento levanta lembranças
que já deveriam estar mortas.
Na poeira suspensa no quarto
retorna um rosto quase apagado.
Um homem morreu em Belo Horizonte.
Sua sombra vem toldar a janela.
O mundo sempre será visto como ausência.
Há o cansaço de viver de restos
numa orfandade nunca redimida.
O vento arrancava-lhe o chapéu.
O vento turvava o caminho.
O vento poderia dissipar o peso
dessas nuvens.
SERGIO ALCIDES
Robinsonada
Perdido estou na ilha do naufrágio,
meta do meio-dia. Desce o tró pico
sobre meu pensamento. Aquece a pele
mas não o coração, água que corre
incessante de cachoeira à sombra
perpétua. Do segredo. Do arvoredo.
O mero e mineral disfarce úmido
que a pedra veste para ir passear,
ignorante da vida no céu verde,
de que só alcança ouvir as cruas vozes,
tocar, ocasionais, as línguas secas,
molhar as patas que, hesitando, buscam
refresco, temperando na alegria
selvagem o medo do predador.
FABIANO CALIXTO
Oratório
meninos jogam
capoeira
em frente ao muro da creche
onde, escrita a tiros,
lê-se a epígrafe destes dias
jogam
capoeira
entre os ramos do berimbau
antes da chuva
como as nuvens
*
os tijolos, as casas a meio,
andaimes, latas de tinta
vazias, pedra, cimento, cal,
criando uma atmosfera
menos rude
naqueles olhos
*
o terreno baldio
a quadra de futebol de salão
e o bamba
rodando, mão a mão,
na gramática feroz
do desânimo
*
no barraco à beira
do córrego fétido,
um velho
com seu carro de ferragens e indiferenças
fuma um resto de cigarro
achado no resto de mundo
que herdou
*
jogam
capoeira
*
chove
há mais de uma semana
ARMANDO FREITAS FILHO
Escrever o pensamento à mão.
reescrever passando a limpo
passando o pente grosso, riscar
rabiscar na entrelinha, copiar
segurando a cabeça, pelos cabelos
batendo à máquina, passando o pente
fino furioso, corrigindo, suando
e ouvindo o tempo da respiração.
Depois, digitar sem dor, apagando
absolutamente o erro, errar.
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Escrever é riscar o fósforo
e sob seu pequeno clarão
dar asas ao ar – distância, destino
segurando a chama contra
a desatenção do vento, mantendo
a luz acesa, mesmo que o pensamento
pisque, até que os dedos se queimem.
FÁBIO WEINTRAUB
Skina's Grill
para Tarso de Melo
Uma coisa é fato:
a partir de um certo ponto
convém não exigir muito
Mesmo sabendo que
num misto quente de verdade
se deve além do recheio
aquecer o pão na chapa
Embora pensando bem
àquela altura da noite
a chapa toda encharcada
com os resíduos do dia
um pão frio porém limpo
talvez não fosse má idéia
É o que me veio à cabeça
logo assim que percebi
o suor colando a franja
sobre a testa do garçom
TARSO DE MELO
O VERMELHO E O NEGRO
para Manoel e Manuel
Aceito que não seja,
de fato, a melhor parte do romance
(a trave se moveu, os da barreira
estranhamente cresceram),
ainda mais se o leitor
que torce (abrem-se as cortinas,
começa o jogo) duvida
da virada
espécie de desespero
diante das quinhentas páginas
do campeonato
pois a cada uma delas
cada vez mais
o ataque se desenreda, nossa
defesa é nossa adversária
e o estilo despenca
na tabela
e mesmo os gritos do
técnico (ali onde não há
caixinha-de-surpresa)
da orientação desistiram
e como os nossos
são de desespero
na cena mais cruel
nosso herói, já driblado,
ainda pode ver
o alheio atacante a poucos
passos do alvo
e neste ponto até o torcedor
o mais fiel, enquanto
lê, percebe a formação
desde o televisor
de um mar de vaias
e lágrimas
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