sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O ANTICRISTO de Lars Von Trier


Sem dúvidas um dos filmes mais desgastantes, horrí­ficos e lindos que já vi em toda minha vida.

É um dos filmes que mais te suga emocionalmente, não somente pelos estímulos audio-visuais que por si mesmos são violentos, mas por toda arquitetura psicológica de desespero que pode ser vivenciada. Violência não é somente sangue, mas é a tensão emocional, o terror.

Falar do terror deste filme seria descrever tal terror em inúmeras palavras. Terror em forma do tom brutalmente maligno-religioso, diabólico, escabroso e aterrador que cerca o Éden. Todo o filme se cerca também de um terror em forma de desespero e você pode sentir a presença de algo de fato "maligno" naquele lugar.

Esse é um filme difícil de analisar e racionalizar. Ele ultrapassa QUALQUER barreira quando se fala se fazer um filme. É um filme que te faz perguntar se até hoje realmente fomos muito longe quando se trata de filmes.

Se eu pudesse resumir esse filme em uma palavra, seria: CATARSE. Esse filme é um passeio no meio do caos que é ou que circunda a mente humana. É como uma viagem pela situação psicológica do caos, do sofrimento, da psicose.
'Anticristo" é, de fato, simbólico, como Lars von Trier já insistiu.

Parece-me que boa parte do filme pode encontrar correspondências ou foi baseado no ensaio de Nietzsche "Culpa, má consciência" do livro "Genealogia da Moral", e no livro "Anticristo", também de Nietzsche (que Lars von Trier afirma que mantém do lado da cama).

É possível dizer que "Anticristo" é uma interpretação artística altamente baseada em volta dos pensamentos e textos de Nietzsche. É possível, pois o filme empresta inúmeros simbolos, de diversas mitologias, num arsenal imenso de figuras do arcabouço do inconsciente coletivo humano. Você pode racionalizar e achar que os símbolos levam a uma só teoria específica, mas do nada você se forçado a desistir porque não existe UMA explicação definitiva.

O filme começa com uma das cenas mais bonitas ou, também, diabólicamente profanas da história do cinema, em câmera lenta, com o sexo entre o casal (Ele e Ela). A criança morre enquanto o casal faz sexo. Pelo o que se confirma, no final do filme, a mãe na hora do orgasmo ou prazer simplesmente ignora o filho solto perambulando frente à janela. O sexo fica associado à morte. O prazer fica ligado à presença de sofrimento. Ela sente-se culpada. Culpada de ter que viver com a dor da perda, da morte do filho. Culpada por estar gozando na hora seu filho morreu, por ter cedido à tensão e ao prazer do gozo ao invés de escolher ou prestar atenção em seu filho. Ela fica em luto, totalmente abalada. Ele já aceita com mais facilidade os fatos. Por quê? A condição sexual da mulher, erigida, principalmente, por anos de escravização sexista e religiosa, impede que ela aceite o prazer ou o fluxo natural da natureza. "Anticristo" não é somente um conto sobre a misogênia ou a condição do sexos, mas também um conto realista sobre o movimento da natureza e da vida, que recheada de caos que nos impele, nos confunde a vontade e nos faz guiar por forças que não conseguimos focar origem, que classificamos com palavras como "instintos, sensações, fenômenos".
Afirmo "principalmente" porque vejo que a condição feminina é, do ponto de vista psicológico evolucionário, alicerçada na genética, na condição física, mas fortemente sustentada por uma série de estruturas sociais que construímos em volta da mulher, seja pela força de coerção física ou psicológica.

Resumindo, é fácil para o homem assumir sua sexualidade quando não enfrenta nenhum impedimento social extremamente particularizante. As bruxas eram queimadas pela sua afirmação sexual uníssona com ambos pólos (masculino e feminino). Em certos contextos do movimento pagão, elas buscavam o prazer (eis a grande profanação) e incorporavam em sua psíque a natureza masculina. Isso fazia delas o símbolo da verdadeira fêmea, do Animal feminino perfeito. Não mais presa na dualidade, mas individualizada e completa.

A mulher, mesmo com a possibilidade de sair para uma festa para beijar alguém logo após o término de um namoro sem correr grandes riscos de ser chamada de vadia ou ser completamente ostracizada da maior parte dos círculos sociais, ainda, no geral, não se individualizou. Isso não é misogênia ou machismo, é apenas o reconhecimento de uma estrutura social que molda as potencialidades e a liberdade da mulher. Potencialidade de buscar e aceitar o prazer sem culpa, caraterística por vezes facilmente desenvolvida no homem. As mulheres nesse caso precisam entender seu papel no mundo que está orientado para o masculino, pois o homem forjou certas estruturas da sociedade. É uma crítica construtiva para que o animal feminino apareça sem toques da sociedade patríarcal masculina. Ela não se individualizou porque a sociedade, no geral, ainda impele a mulher para assumir uma individualidade, mas orienta para que ela copie o homem ou se baseie nele, o que é uma total corrupção e deformação do verdadeiro desenvolvimento sexual feminino. Ou seja, sair para fazer putaria ainda não é assimilar a realidade natural do prazer na qual o homem pode ter um acesso fácil, mas apenas copiar o comportamento masculino.
Ela realmente entrega-se ao prazer, mas depois sente-se culpada. Essa é a prova de que o processo pela busca do prazer ainda é desconexa, infantil e mal desenvolvida.

Ele, como psicoterapeuta, faz com que ela suspeite que os remédio que toma, que servem para reestabelecer um certo equilíbrio bioquímico de prazer e recompensa, estão dificultando a recuperação do luto. Ela decide largar os remédios. Ele começa um tratamento psicoterapeutico nela, a mulher que ama. O outro médico afirma o consenso mais aceito dentro dos estudos da mente, de que é arriscado realizar tratamento em alguém que você cultiva um relacionamento amoroso. Ele mesmo assim prossegue dizendo que ele a conhece mais do que qualquer outro terapeuta. Ela afirma que o lugar que ela mais sente medo é a floresta, o Éden. Ambos vão para lá porque acham que a resposta para a dissolução do luto e do trauma se encontra lá. O Éden é o habitação primeva do homem para maioria das religiões monoístas. O Éden é o paraíso. Mais do que isso, o Éden é a natureza aonde ou de onde o homem emerge. O interessante é que o Éden de "Anticristo" não possui a concepção de paraíso utópico onde se vive harmonicamente e sem conflitos, tal como o inconsciente coletiva se apega, mas como o local de origem do Homem como é, com pecados, com caos inato e intrínsico ao Éden. Pois o que será a serpente, a cobra e a maça senão o caos imprimindo o desejo e por conseguinte, a confusão no homem? "Anticristo" retrata o paraíso distópico, a como a realidade é: dotado de inúmeras seduções, serpentes, maças e o caos.


Esse retorno ao Éden é um retorno que ela faz para enfrentar o medo da natureza. O medo da própria natureza, pois Ela, como estudiosa dos feminicídios e perseguições às bruxas, reconhece que não é capaz de entender a própria sexualidade feminina e acaba por aceitar a visão misogênica de que de fato as mulheres estão a par com o caos, com a natureza.
Ela não entende sua sexualidade, que está fortemente ligada à natureza de maneira brutal, como representada pelo Cervo com um feto sendo abortado. Ela mesmo afirma que sente-se fortemente sensibilizada pelo fato de que as sementes de carvalho que não param de cair do teto são como "crias" que nunca irão brotar ou crescer. Ela assume que a natureza então é maligna porque o caos que faz brotar a sexualidade feminina, que a faz ficar grávida e experienciar a maternidade como um fenômeno extremamente forte na psíque feminina, é o mesmo caos que por ventura a faz abstrair-se na volúpia do prazer sexual, esquecendo-se do filho, é o mesmo caos que, aleatóriamente, faz seu filho sofrer, se perder, ou que ameaça a tranquilidade dela.

Mais do que uma identificação do caos na sexualidade feminina, o filme retrata o medo que o ser humano em geral tem da natureza. Uma das premissas é que as construções da vontade nada são perante o caos da natureza, que propícia situações que nos fazem aceitar a nossa total falta de controle sobre as coisas.


Esse retorno ao Éden é como um retorno que tem como único destino marcado: O CAOS. O caos que faz todo ser humano mostra quem é, mostrar suas neuroses, suas fugas. Não somente Ela retorna e enfrentar seus medos como forma de um objetivo. Mas Ele também tem um papel importante que pode ser interpretado de diversas formas no final. O anúncio parcial do objetivo Dele encontra-se representado pela astuta raposa (que representa a Lógica), que anuncia: O CAOS REINA!. Ela também revela o destino do mesmo que é comer suas próprias entranhas ao arriscar-se confrontar uma psicoterapia ao lado da pessoa amada. Ele escolheu comer suas próprias entranhas.
Ela alterna entre o refúgio sexual do orgasmo e a culpa. A prova disso é a recorrente busca pela pelo sexo, a confusão entre "será que sou mãe ou será que sou mulher"? Essa separatividade entre esses dois comportamentos pode criar duas realidades distintas que geram culpa, pois enquanto a mulher não aceitar o prazer, não aceita nem o caos que ataca e entrega a prole e o investimento parental à chance e nem o caos que fomenta ou elimina seu prazer sexual. O sexo após a primeira gravidez pode gerar inquietude e uma certa dispersão da libido em muitas mulheres. O caos, da própria natureza geradora dentro de seu corpo, do próprio sexo e prazer, faz a mulher executar a própria cria, entrar em depressão pós-parto ou colocar sapatos invertidos no pé do próprio filho para impedí-lo de andar como parece ser o caso da mulher em "Anticristo" (sugestões para essa interpretação pois ela pode ter colocado os sapatos apenas como forma de controle sem interesse em fazê-lo parar de andar).


A partir do momento que ela é confrontada com a afirmação de que o marido sabe da falha dela como mãe ou, talvez, da loucura que ela teve em machucar ou deformar o pé do próprio filho, o caos reina de vez. Reina de vez porque o ego dela acabou confrontando com a realidade de que ela é, de fato, com ela suspeitava, MALIGNA. Nesse momento não existe mais uma busca controlada pelo entendimento da sua natureza e da natureza das coisas, mas sim um desespero que diz: já que eu sou maligna, o que me resta ser? Maligna, psicopata, pois esse é o meu modo de operar. E assim como ela prendeu o filho, ela prende o marido atravessando sua perna com um peso de metal. A fixação pelo sexo se orienta também no sentido de possuir o parceiro, tomar conta do falo/pênis, pois tal realização sustenta ainda a manutenção da relação e da posição dela como mulher (que no caso estava prestes a ser abandonada).
Não mais como refúgio, mas também como arma para sustentar que pode dominar o homem ou demostrar sua natureza sexual indomável e insáciavel (tal como ela, como bruxa, se visualiza, demoníaca). Dominação na tentativa de tentar ficar sob proteção e aceitação masculina, pois sua reclamação foi: Você vai me abandonar agora, não? Eis a mulher que se vê desfigurada, vê-se demoníaca e caótica, mas ainda se vê dentro do cárcere patriarcal.

A questão de ela ter se mutilado ou cortado seu clítoris é simples. Na esperança de eliminar a fonte de seus problemas (o prazer sexual, o caos), ela corta sua maior fonte de prazer, como forma de castração e culpa ao ver toda confusão que causou.


A simbologia relacionada à divisão de capítulos, a cerca dos Three Beggars (Três Mendigos), ainda não me parece clara porque estou escrevendo isso depois de ver o filme e com muito sono. Estou tentando aproveitar o que estou digerindo recentemente.


Parece-me que a constelação que ele verifica no final tem todo um significado. O cervo simboliza Ela. A raposa, Ele. O corvo aparece quase como um artefato Deus ex machina tanto como um componente simbólico revelador. Quando ele aparece no buraco da raposa, isso significa algo, apesar de revelar a posição e assim (eis a dica) forçar com que ELE realiza seu objetivo final (que é comer das próprias entranhas, matá-la). O corvo também revela o ponto aonde a ferramenta está escondida (de baixo do assoalho), permitindo MAIS UMA VEZ que ele realize o que precisa fazer.
E eis o que ele necessita fazer, matá-la. Não porque isso é correto, mas ele apenas reproduz o que as bruxas com seus comportamentos trouxeram para si: serem queimadas por serem animais femininos completos ou por serem tão loucas quanto a protagonista.

Muitos já disseram que a decisão brusca de matá-la é a realização lógica (da raposa, que agora dentro da cabana deita-se tranquilamente ao lado do cervo) de que não há jeito para essa mulher, senão matá-la, pois ela nunca irá individualizar ou seja lá o que for.

Quando ele coloca ela para queimar e foge, corpos de outras mulheres aparecem em volta de àrvores ou carvalho. Outras bruxas talvez?

Ele foge para a floresta, encontra comida nas amoras, nas frutas. Isso simboliza o ciclo da natureza retomando seu cíclo de criação e reflorescimento. Essa intencionalidade parece ser reforçada pela idéia de que logo após isso, a música da cena inicial toca novamente no meio de outra cena magnífica de outras centenas de mulheres com o rosto borrado subindo o morro para o Éden. O que isso significa? Que ainda, milhares de mulheres ainda serão queimadas, num círculo vicioso, vítimas da sua confusão com sua sexualidade? E os homens, nas suas próprias condições, reagindo a essa situação de maneira a sustentar toda essa estrutura? Ou são as mulheres que sofreram o mesmo destino?
Esqueci de falar sobre um ponto básico e não muito interpretativo do filme.

A questão da deformação óssea. A relevância é que isso demostra com toda certeza que ela é uma péssima mãe e que a admissão disso junto aos fatos que estimulam a culpa geram uma reação psicótica. 'Se de fato sou maligna, minhas previsões se confirmam e só me resta ser aquilo que devo ser mesmo.'

Você pode dizer que todas as tentativas racionalizantes falham, quando o superego se rende...

Agora, a questão se a deformação óssea foi com objetivo de prender o filho... Talvez. Na hora que aparece ela amarrando o tênis dele, ela o faz com muita raiva. Nessa idade a formação óssea é susceptível a deformações.

Outra coisa reveladora... É importante ressaltar a expressão de felicidade ou tranquilidade do filho dela que sai do cercado e sobe na mesa. Isso talvez indique, de maneira simbólica, uma fuga, um suicídio. Seria como o filho feliz escapando das torturas e deformações da mãe ou do casal OU NÃO.
Outra interpretação para o Cervo que abortou é a mãe que não consegue se desprender do filho. O caos da natureza pode ser o filhote de passáro caindo da árvore e sendo devorado por formigas e depois por uma ave de rapina.

Outra observação excelente é que a raposa está comendo a si mesmo a baixo da superfície da vegetação. "Debaixo da superfície o caos reina". Isso talvez simbolize a profundidade que o Éden revela, trazendo o caos até a superfície.
Outra possibilidade de interpretação para com as recapitulações visuais que ele ou ela tem de com o o filho morreu.

Na verdade ela não olha para o filho subindo a mesa enquanto está fazendo sexo. Aquilo é a imaginação dela, o medo, confirmando a crença emergente de que ela é culpada ou maligna.


E a cena de que ele vê ela colocando propositalmente os sapatos trocados na criança pode ser criação da cabeça dele que realmente começa a duvidar que ela é insana.
Parece-me, às vezes, que a cena final com as mulheres subindo em direção ao Éden, de onde Ele saiu após matar mais uma "bruxa", significa o ciclo que muitas mulheres ainda terão que percorrer e sofrer até retornarem a sua natureza primeva, caótica, original, no Éden.


É uma pena que muitos críticos vejam esse filme somente como uma obra misógena, quando na verdade é uma homenagem linda a tantas mulheres que sofreram ao tentar compreender-se nas suas condições.

***
OBS: Texto encontrado na internet. Desconheço a autoria. Se alguém souber, me avise para eu atribuir.

Um comentário:

  1. na vdd, ficamos na duvida de se realmente a mulher olhou ou não pois na cena em que o menino aparece, na hr que o rosto da mae da uma possivel virada, a camera embasa, deixando o telespectador na duvida

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