segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Fotografia Selvagem

(Jean Baudrillard)

 

As fotos mais bonitas são as tiradas dos selvagens, no lugar onde vivem. Porque o selvagem sempre encara a morte, encara a objetiva exatamente como encara a morte. Ele não é cabotino nem indiferente. Sabe posar, enfrenta. Sua vitória está em transformar uma operação técnica num face-a-face com a morte. É isso que os torna objetos fotográficos tão fortes, tão intensos. Quando a objetiva não capta essa pose, essa obscenidade provocante do objeto diante da morte, quando o objeto torna-se cúmplice da objetiva e o fotógrafo também se torna subjetivo, então acaba o grande jogo fotográfico. O exotismo morre. Hoje é muito difícil encontrar um sujeito, ou até um objeto, que não seja cúmplice da objetiva.

O único segredo para a maioria é não saber como eles vivem. Esse segredo lhes dá a auréola de um certo mistério, de certa selvageria, que a foto, se for boa, capta. Captar nos rostos esse ar de ingenuidade e de destino que trai o fato de eles não saberem quem são, de não saberem como vivem. Esse ar de impotência e de estupefação que é completamente falho na raça mundana, esperta, ligada, introspectiva, que vive no seu próprio sabor e, por isso, sem segredo. Para esses, a foto é impiedosa.

Só há foto daquilo que é violado, surpreendido, desvelado, revelado contra a vontade, daquilo que nunca deveria ser representado porque não tem imagem nem consciência de si próprio. O selvagem, ou o que há de selvagem em nós, não se reflete. Ele é selvagemente estranho a si mesmo. As mulheres mais sedutoras são as mais estranhas a elas mesmas (Marylin). A boa fotografia não representa nada; capta essa não-representatividade, a alteriade do que é estranho em si mesmo (ao desejo e à consciência de si), o exotismo radical do objeto.

Os objetos, como os primitivos, têm uma vantagem fotogênica sobre nós: estão liberados da psicologia e da introspecção. Conservam, portanto, toda a sua sedução diante da objetiva.

A fotografia é nosso exorcismo. A sociedade primitiva tinha suas máscaras, a sociedade burguesa seus espelhos, nós temos nossas imagens.

(Baudrillard – A transparência do mal – P. 159-60)

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