domingo, 23 de setembro de 2012

MONA LISA - Walter Pater e Oscar Wilde


 
 
Mona Lisa, por Walter Pater: (in: O Renascimento. 1869)
“A presença que se eleva assim tão estranhamente junto às águas exprime o que no correr de mil anos os homens aprenderam a desejar. É dela a cabeça sobre a qual todos “os finais do mundo confluem” e as pálpebras mostram-se tão fatigadas. Trata-se de uma beleza trazida do interior, despontando na carne, o depósito, de minúscula em minúscula célula, de estranhos pensamentos, de sonhos fantásticos e exóticas paixões. Colocada um momento que seja junto a uma daquelas pálidas deusas gregas ou das belas mulheres da Antiguidade, e todas se perturbariam com a sua beleza, na qual a alma e todas as suas desventuras tiveram passagem! Toda vivência e os pensamentos do mundo ficaram gravados e moldados, e nela ganharam o poder de refinar e dar expressão à forma exterior, o animalismo dos gregos, a luxúria dos romanos, o misticismo da Idade Média com sua ambição espiritual e os amores tão imaginativos, o retorno ao mundo pagão, os pecados dos Borgias. Ela é mais antiga do que as rochas entre as quais está sentada; como um vampiro, ela esteve morta diversas vezes, e aprendeu os segredos da sepultura; e mergulhou até as profundezas dos mares, e se guarda envolta na Expulsão do Paraíso; e traficou estranhas tramas com mercadores orientais; e, como Leda, foi a mãe de Helena de Tróia e, como Sant´Ana, a mãe de Maria; e tudo isso soou para ela apenas como a música de liras e flautas, e ela vive apenas em suavidade com a qual foram moldadas suas feições sempre em mudança, e tingidas suas pálpebras e mãos. A fantasia da vida eterna, arrostando numa só dez mil existências, é muito antiga; e a moderna filosofia concebeu a ideia de humanidade como tendo sido forjada, e resumindo em si, todos os modos do pensamento e da vida. Sem dúvida, Lisa poderia ser a incorporação da antiga fantasia, o símbolo da concepção de modernidade.”
Mario Praz dizia que com esse trecho Pater fora “quem descobriu a femme fatale no famoso sorriso da Mona Lisa”, ao mencionar “um insondável sorriso, como se possuísse algo de sinistro”.
O sucesso do texto de Pater deveu-se à beleza e às associações literárias e visuais que conjurava: “uma estranha presença”, o peso do passado (“mil anos”),“sonhos fantásticos e exóticas paixões”, belas deusas gregas, o “animalismo dos gregos”, “a luxúria dos romanos”, misticismo medieval, paganismo, os Bórgias, vampirismo e fantasmas (“ela esteve morta várias vezes”), o Oriente (traficando com “mercadores orientais”), Leda e Helena de Tróia. Todos os suspeitos de sempre estão presentes. A popularidade de um texto depende da sua capacidade de ressoar no interior de uma consciência estabelecida previamente, mais do que pela sua novidade. O tema da mulher bela que leva seus homens à destruição foi um grande elemento de conexão entre as populares e chocantes novelas góticas do final do século XVIII, os românticos franceses, o decadentismo e o simbolismo franceses e britânicos, o movimento pré-rafaelita e o nascimento da modernidade.
A qualidade do texto de Walter Pater agiu como um amplificador de temas já existentes na cultura. Mona Lisa talvez encarne a mulher como um objeto de atração ambígua, parte tentadora, parte sacerdotisa, ao mesmo tempo corrompida e inocente.
A fonte do texto de Pater é o escrito de Charles Clément sobre a Mona Lisa (1861):
“Amantes, poetas, sonhadores, vão todos ver a Mona Lisa, e morram aos seus pés! Nem o seu desespero nem a sua morte conseguirão apagar daquela boca desdenhosa o sorriso enfeitiçado, o implacável sorriso que promete arrebatamentos e rouba a felicidade”.
 
OSCAR WILDE- Pater e a Mona LIsa

Oscar Wilde, em “The Critical as Artist”,publicado em 1890, percebe em Walter Pater o papel criativo do crítico que está munido de uma poderosa e majestosa prosa. Wilde reconhece a crítica de boa qualidade como sendo a “que trata a obra de arte simplesmente como o ponto de partida para uma nova criação”.
“Quem está ligando se o Sr. Pater colocou no retrato da Mona Lisa algo que o Leonardo jamais sonhou? O pintor pode ter sido apena s o escravo de um sorriso arcaico, como alguém já fantasiou, mas sempre que atravesso as frias galerias do Palácio do Louvre e me ponho diante daquela figura estranha, “assentada em sua poltrona de mármore em meio àquele círculo de rochas fantásticas, como se estivesse sob uma tênue luz imersa no oceano”, murmuro para mim mesmo: “Ela é mais antiga do que as rochas entre as quais está sentada”. E digo ao amigo que me acompanha: “A presença que se eleva assim tão estranhamente junto às águas exprime o que no decorrer de mil anos os homens aprenderam a desejar”. Ao que ele me responde: “É dela a cabeça sobre a qual todos os finais do mundo confluem e as pálpebras mostram-se um tanto fatigadas”. (Oscar Wilde)
 


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