quinta-feira, 20 de setembro de 2012


LEONILSON: DOBRAS DA ALMA

PAULO HERKENHOFF

 

Em sua arquitetura simbólica da interioridade, Leonilson cria uma espécie de hagiografia pessoal, construindo um vocabulário de formas significantes, articuladas em seu discurso confessional, íntimo e privado, que o coloca muito próximo de Felix Gonzalez-Torres. Atuando quase que por recolhimento religioso, Leonilson expõe discretamente desejo, sublimação e fé em sua obra. Em sua visão particular da religião, observa o peso da culpa incutida no processo de formação católica e interpreta história dos santos e de Jesus Cristo para concluir que “a Bíblia é um livro não apenas gay, mas muito gay”. A identificação e sua condição pessoal com o próprio teor das Escrituras leva Leonilson a produzir obras como Conversa no seio de Cristo (1993), ou a comparações pessoais com Cristo, no bordado 33/34 (1991). Aqui, Leonilson constitui uma intimidade com um discurso biográfico e metafísico que poderia ser comparado ao pathos no barroco ou à obra de Ismael Nery.

Ismael Nery

No entanto, Leonilson está interessado no trânsito da angústia metafísica na direção da experiência possível do ser. Em entrevista a Lisete Lagnado, Leonilson projeta a função do artista como uma espécie de doação, que ele remete ao Sagrado Coração, cujo caráter devocional se expandira no barroco. O artista comenta “eu lembro do Klee fazendo aquelas coisinhas... você olha, é uma aquarelinha, mas ele tirou do coração e pôs na parede. Como Jesus Cristo, que andou em cima do lago da Galiléia. Tirou o coração, deu para São João Batista e falou: “aqui está meu coração, faça dele o que quiser”. Isso é de uma beleza para mim, de um poder tão grande...”
Algumas obras de Leonilson parecem surgidas da tradição do ex-voto, que contemporaneamente havia sido retomado por Yves Klein em obra dedicada a Santa Rita de Cássia.
 
Klein - Ex-voto
 
Na tradição de artistas como Joaquim Torres-Garcia e Rubem Valentim, Leonilson constitui um pequeno vocabulário de símbolos, como a linha interrompida no bordado é o riozinho que significa água. Leonilson introduziu bordados onde havia pintura e desenho para coser símbolos, costurar afetividade, montar cesura, prender ornamentos e fixar dobras da alma como acidentes de seu próprio ser.”

 In: HERKENHOFF, Paulo (curador). Tomie Ohtake na trama espiritual da arte brasileira. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2003. PP.34-5.
 

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