domingo, 7 de julho de 2013

Mulher não faz literatura



De pais iranianos, nascida em Paris, formada na École Normale Supérieure aos vinte anos, professora de Harvard aos vinte e quatro. Fala cinco línguas, uma delas, a brasileira. Mas nada foi suficiente. Lila Azam Zanganeh tornou-se a musa da FLIP pela beleza franco-iraniana.
Fossem Lydia Davis e Maria Bethania mais novas talvez houvesse concorrência. Quem sabe enquete na televisão para escolher a mulher que mais se adequasse a um padrão de beleza que lhe conferiria esse importante título.
Enquanto ao meu lado, um grupo de garotas comenta sobre Francisco Bosco, parceiro de Lila no debate: bonitinho, dizem. Mas nenhuma nota de imprensa até agora conferiu ao ensaísta o título de mais belo homem do evento.
E na literatura, exposta quase a margem da página vive a mulher. Em séculos passados, escritoras utilizavam-se de pseudônimos masculinos para publicarem seus livros. Inconcebível uma mulher capaz de produzir narrativas. Dizem até mesmo que Nabokov não simpatizava com suas tradutoras.
Recordo-me de Cecília Meireles em seu poema Motivo, afirmando: sou poeta. Contra a regra normativa de gênero que transforma poeta, no feminino, em poetiza. Esse sufixo que parece menor, rebaixado, precário diante do poeta, grande realizador.
Perdoem-me o linguajar, mas Cecília tinha culhões. Em um pequeno verso, composto por duas palavras, equipara-se a todos os poetas, rindo deste disparate arbitrário que parece inferiorizar as poetas, indignas de estarem no mesmo panteão que eles.
Mas a poesia de Cecília, nem a carreira bem sucedida de Lila e sua precisão ao escrever sobre Vladimir Nabokov tem importância. Vale o sorriso amplo que revela dentes bem cuidados. Olhos observadores e o rosto simétrico destacado pela maquiagem bem realizada. Fatores suficientes para produzir belas fotografias.
E torna-se fatal: musa. Sem tirar, nem por: musa. Deixa-se de lado a carreira, os estudos acadêmicos, a leitura atenta à obra de Nabokov, à composição dos ensaios críticos. Porque  Lila Azam Zanganeh é uma mulher bonita.
Nas páginas de seu livro O Encantador: Nabokov e a Felicidade vejo a escritora escorrer pelos cantos. Banida do reconhecimento. Exilada do panteão contemporâneo da crítica literária. Esperando desesperadamente perder a beleza para que se concentrem  no cerne da questão: Seu exímio trabalho premiado ao biografar Vladimir Nabokov. Enquanto isso, ela acena, sorri com os aplausos, sendo o bibelô de nossa imprensa.
E a beleza de Francisco Bosco? Não importa. Ele é um escritor e temos de nos concentrar naquilo que ele produz.
Enquanto isso, musa.


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