terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O bolo de canela d` après Proust




(Jardel Dias Cavalcanti)

para Patricia Maês e Nancy Kaplan


    Quando atravessou a praça sentiu um forte cheiro de canela. Não resta dúvida, pensou, deve estar vindo daquela padaria. Sempre se sentiu prisioneiros de cheiros. Lembra-se perfeitamente do cheiro do talco inglês da sua vô. Este cheiro em uma mulher o faria se apaixonar, pois lhe despertava a lembrança do amor de sua querida vovó por ele. Já o cheiro de canela, além de apreciado por ele, o fazia lembrar-se dos bolos da mãe, dos invernos em que ficava enrolado na coberta, diante da TV, esperando o café com leite e o bolo de canela ainda quentinho que sua mãe, carinhosamente, colocava numa pequena bandeja e o entregava no sofá. De brinde, um beijo da mamãe e um elogio: “mas que menino bonito é meu filho!”.


    Não resistindo, atravessou a rua em direção à padaria, inspirando o ar na tentativa de reter para si toda aquela canela que flutuava em sua direção enchendo seus alvéolos pulmonares. A cada passo, mais presente se tornava o cheiro, mais envolvente, mais doce, e seu nariz levantava-se para capturar o odor irresistível.


    Chegando à padaria, antes mesmo de colocar o pé na entrada da porta, sai dali uma moça ruiva carregando um pacote perfumado, provavelmente o bolo de onde provinha o cheiro de canela. Ele afastou-se por um segundo, deixando-a passar, mas o cheiro era tão presente que se impregnou em sua roupa. Agora, ao invés de adentrar no estabelecimento, passou a seguir aquela que deixava no seu rastro o perfume doce da canela, que o fazia voltar em sua memória ao calor dos abraços de sua mãe.


    Não tinha controle de si, pois embora tivesse um compromisso, já o esquecera no afã de seguir o cheiro que o encantava. Estando atrás da moça, não deixou de reparar em sua beleza. Mas seu nariz parecia manter uma comunicação secreta com seu pulmão a ponto de tudo ir se dissolvendo em sua consciência por causa do cheiro da especiaria. Queria algo que não sabia dizer para si o que era. Apenas seguia o cheiro que se desprendia do pacote, que, com certeza, continha um daqueles bolos que comia em casa, na infância, depois de receber um carinho na face e o famoso “mas que menino bonito é meu filho!”


    Mas deixar de reparar na moça, não deixou, já fundindo o cheiro de canela às formas suaves, delicadas, da moça que carregava o bolo. E seu coração começou a pensar que encontrou a pessoa que tanto procurou na vida, como se a canela que envolvia o corpo da moça e o fazia recordar o amor materno fosse o sinal esperado, o alerta que o peito precisava para saber que, agora, sim, somente agora, poderia amar de verdade.


    Isso fez com que ele continuasse seguindo a moça, mesmo que perdesse seus compromissos. Pouco importava, afinal, agora havia encontrado o amor da sua vida. Faltava pouco para se sentir completo. Agora era só se aproximar da moça e se declarar. E como faria isso? Talvez convidando-a para repartir com ele, numa refeição conjunta, o bolo de canela que ela levava para casa. E, pensou, já estamos na hora do café da tarde!


    Pensado isso, não deixou por menos, se aproximando mais e mais da moça ao pressentir que ela entraria num portão de uma casa, quando avançou e falou-lhe sem pestanejar: “esse bolo está muito perfumado, está me dando água na boca, não quer me deixar comer um pedaço junto com você?”


    “Ah! Desculpe-me, não posso. Eu o comprei para meu filho. Não imagina que menino bonito ele é!”

(Jardel Dias Cavalcanti)

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