sexta-feira, 1 de março de 2013


NAPOLEÃO por Jacques-Louis DAVID

David- Napoleão cruzando os Alpes (1801)


Poucos soldados ou estadistas foram tão apoiados pela propaganda da arte quanto Napoleão Bonaparte. Ainda que ele próprio não o tenha, talvez, iniciado, Napoleão certamente ajudou a consumar o culto da personalidade em todo o seu romântico poder. Das suas muitas imagens, nenhuma é tão poderosa quanto Napoleão cruzando os Alpes, de David.
O quadro é uma obra-prima da técnica clássica e emoção romântica. Isso não é um mero paradoxo. O desenvolvimento da teoria clássica teve lugar, no decurso do século XVIII, no espírito de homens que foram todos intensamente subjetivos. Napoleão é visto exortando seu exército ao esforço ingente de atravessar os Alpes. Aparentemente, é uma jornada inviável, que foi empreendida pela primeira vez em 218 a.C. pelo general cartaginês Aníbal. Justamente por parecer impossível, é também uma jornada romântica, e coloca homem e natureza frente a frente.
O rosto tenso e sombrio de Napoleão revela os perigos da marcha. Atrás da cabeça do general, alçam-se os Alpes, apresentando ao esforço humano a violenta e implacável oposição das forças da natureza. Esse conflito é, para o artista e para seu modelo, uma declaração acerca da dignidade do homem e da grandeza da determinação heróica. Um herói antigo, Aníbal Barca, é recordado na façanha do imperador francês. Napoleão levou ao auge o culto da personalidade, coroando-se a si mesmo imperador com os louros da vitória, para não ficar devendo seu poder a nenhuma autoridade senão à sua própria. Nos desfiles triunfais de Roma antiga, um homem era empregado para ficar ao lado do general vitorioso, recordando-lhe que era apenas humano. Napoleão não viu necessidade de tais precauções. Ele era, a seus próprios olhos e aos de seus seguidores, um novo Marte, o deus da guerra. No quadro de David, o deus cavalga rumo à vitória inevitável.
O artista aprendera o que retratar obedecendo às regras que governam a proporção e disposição do corpo humano. Homens de gosto reconhecem tais regras e julgaram as obras de arte segundo sua conformidade a essas mesmas regras. Mas, para nós, um dos muitos aspectos fascinantes da arte desse período consiste em discernir como se manifesta a tensão entre as regras gerais, que se aplicavam a todas as obras, e a imaginação artística. Quando a individualidade é mais fortemente marcada em uma obra de arte, quando o artista expressou algo importante para si mesmo, a tensão dramática entre a regra ideal e a criação do indivíduo pode dizer-nos muito sobre o modo como esses artistas trabalharam e ao que eles mais prontamente reagiram no mundo em que viviam.


In: JONES, Stephen. A arte do século XVIII. São Paulo: Circulo do livro, 1989. (Col. História da arte da Universidade de Cambridge)

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