EZRA POUND – uma entrevista histórica
Entrevista
publicada na "The Paris Review", em 1962. Traduzida especialmente
para Revista Bula por Amanda Górski.
“E se
qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca
palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente e as repita.” (Ezra
Pound)
Apresentação:
Desde sua volta
para Itália, Ezra Pound passou a maior parte de seu tempo em Tirol, no Castelo
de Brunnenburg com sua esposa, sua filha Mary, seu genro, o Príncipe Boris de
Rachewiltz e seus netos. No entanto, as montanhas neste país de atrações
turísticas próximo a Merano, são geladas no inverno, e o Sr. Pound gosta do
sol. O entrevistador estava prestes a deixar a Inglaterra no fim de Fevereiro,
quando um telegrama o parou na porta: “Merano está congelada. Venha para Roma.”
Pound estava
sozinho em Roma, ocupando um quarto no apartamento de um velho amigo, Ugo
Dadone. O verão mal começava e estava excepcionalmente quente. As janelas e
venezianas do quarto de Pound dançavam com os barulhos da Via Angelo Poliziano.
O entrevistador sentou-se em uma grande cadeira, enquanto Pound encaixou-se
confortavelmente em um sofá. A presença de Pound no quarto consistia de duas
malas e três livros.
Nas horas
sociais da tarde — jantar no Crispi’s, uma volta nas cenas de
seu passado, sorvete em um café — Pound caminhava com o vigor
ufano de um jovem rapaz. Com seu grande chapéu, sua resoluta bengala, seu
cachecol amarelo esvoaçante e seu casaco, o qual arrastava como uma capa, ele
era novamente o leão da Latin Quarter. Então seu talento para o mimetismo veio
à tona, e gargalhadas faziam sua barba acinzentada vibrar. Durante as
horas da entrevista, que durou três dias, ele falou cuidadosamente e as
perguntas algumas vezes o cansaram. Na manhã em que o entrevistador retornava,
Sr. Pound ficava ansioso para revisar as falhas do dia anterior.
Donald Hall, 1962
A ENTREVISTA
ENTREVISTADOR — Você
está quase concluindo os “Cantos” agora, e isso me faz pensar sobre o começo
deles. Em 1916 você escreveu uma carta na qual falava sobre a tentativa de
escrever uma versão de Andreas Divus nos ritmos de Seafarer. Isso parece uma
referência ao “Canto 1” .
Você começou os “Cantos” em 1916?
POUND — Eu
comecei os “Cantos” por volta de 1904, eu acho. Eu tinha vários esquemas,
começando em 1904 ou 1905. O problema era conseguir uma forma – algo elástico o
suficiente para usar o material necessário. Deveria ser uma forma que não
excluísse algo meramente por que não encaixava. Nos primeiros esboços, um
rascunho do atual primeiro “Canto” era o terceiro. Obviamente você não consegue
um ótimo pequeno mapa de ruas assim como a Idade Média se apossou do Céu.
Apenas uma forma musical daria suporte ao material, e o universo Confucionista
como eu vejo, é um universo de pressão e tensões interativas.
ENTREVISTADOR — Seu
interesse em Confucius começou em 1904?
POUND — Não, a
primeira coisa era o seguinte: havia seis séculos que não foram acondicionados.
Era uma questão de lidar com o material que não estava na “Divina Commedia”.
Hugo fez uma “Légende des Siècles” que não era uma questão avaliativa, mas
apenas pedaços de história enfileirados. O problema era desenvolver um círculo
de referência – considerando a mente moderna como sendo a mente medieval com
lavagem após lavagem da cultura clássica despejada sobre ela desde a
Renascença. Era a psique, se assim preferir. Era questão de lidar com a própria
essência.
ENTREVISTADOR — Deve
haver trinta ou trinta e cinco anos desde que você escreveu qualquer poesia
fora dos “Cantos”, com exceção dos poemas “Alfred Venison”. Por que isso?
POUND — Eu
cheguei ao ponto em que, além de um ocasional impulso inspirador, o que eu
tinha para dizer se moldava ao esquema geral. Houve uma boa quantidade de
trabalho jogado fora por que houve atração por um caráter histórico e então
percebi que ele não funciona dentro da minha forma, não comporta um valor
necessário. Eu tentei fazer os Cantos serem históricos (vid. G. Giovannini,
re-relação história à tragédia. Dois artigos dez anos fragmentados em algum
material periódico filológico, não de fonte, mas relevante), mas não ficção. O
material que se quer encaixar nem sempre funciona. Se a pedra não é dura o
bastante para manter a forma, deve ser eliminada.
ENTREVISTADOR — Quando
você escreve um “Canto” agora, como o planeja? Você segue um curso de leitura
especial para cada um?
POUND — Não é
necessariamente uma leitura. Pode-se trabalhar na vida com resignação, eu acho.
Eu não conheço um método. O ‘o que’ é muito mais importante do que o ‘como’.
ENTREVISTADOR — Ainda
quando era jovem, seu interesse na poesia concentrava-se na forma. Seu profissionalismo
e devoção à técnica tornaram-se proverbiais. Nos últimos trinta anos você
trocou seu interesse na forma pelo interesse no conteúdo. Tal mudança foi no
preceito?
POUND — Eu acho
que ocultei isso. A técnica é o teste da sinceridade. Se algo não vale no
julgamento da técnica, é de importância inferior. Tudo isso deve ser tratado
como exercício. Ritcher diz em seu “Treatise on Harmony”, “Existem os
princípios da harmonia e do contraponto; eles não têm nada a ver com
composição, que é uma atividade bem separada.” A declaração que alguém fez de
que não se pode escrever nas formas provençais de Canzoni em Inglês, é falsa. A
questão de ser apropriado ou não era outro problema. Quando não havia o
critério de linguagem natural sem inversão, aquelas formas eram naturais, e
elas eram realizadas com música. Em inglês, a música possui natureza limitada.
Temos a perfeição Francesa de Chauser, a perfeição Italiana de Shakespeare,
temos Campion e Lawes. Não acho mesmo que tenha alcançado essa forma, até ter
chegado aos refrões no “Trachiniae”. Eu não sei se cheguei a alguma coisa
assim, mas realmente pensei que fosse uma extensão da escala musical completa.
Pode ser uma ilusão. Estive sempre interessado na implicação da mudança de
altura do som na união de “motz et son”, da palavra e melodia.
ENTREVISTADOR — Escrever os “Cantos” agora consome tudo do seu interesse técnico ou a escrita de traduções, como o “Trachiniae”, que você acabou de mencionar, o satisfaz dando mais trabalho manual?
POUND — Vejo o
trabalho a ser feito e adentro nele. O “Trachiniae” surgiu da leitura que
Fenollosa Noh encena para a nova edição, e do desejo de ver o que aconteceria a
uma peça Grega, com aquela mesma base e esperança, sendo executada pela
companhia Minorou. A visão de Cathay na Grécia, parecendo poesia, estimula
correntes secundárias.
ENTREVISTADOR — Você
acha que o verso livre é particularmente um padrão Americano? Eu imagino que
William Carlos Williams provavelmente acha que sim, e considera os iâmbicos
Ingleses.
POUND — É como
na frase de Eliot: “Nenhum verso é libre para o homem que quer fazer um bom
trabalho.” Eu acho que o melhor verso livre vem de uma tentativa de voltar à
métrica quantitativa. Suponho que esse verso seja não-Inglês sem ser
especificamente Americano. Lembro-me de Cocteau tocando tambores em uma banda
de jazz como se fosse um difícil problema matemático. Eu te direi uma coisa que
considero ser uma forma Americana: o parêntese jamesiano. Você realiza que a
pessoa com a qual está falando não passou por diferentes passos, e então volta
a eles. Em verdade, o parêntese jamesiano melhorou imensamente agora, tanto que
penso ser algo definitivamente Americano. Isso consiste no empenho que se faz
quando encontramos outro homem que teve muita experiência para encontrar o ponto
onde as duas experiências se tocam, para que ele realmente saiba do que você
está falando.
ENTREVISTADOR — Seu
trabalho inclui grande quantidade de experiência, assim como forma,
constituição específica. O que você considera ser a maior qualidade que uma
poesia possa ter? É algo em sua forma, ou uma qualidade de pensamento?
POUND — Eu não
acho que se possa colocar as qualidades necessárias em ordem hierárquica, mas
devemos ter uma curiosidade contínua, que, é claro, não faz de ninguém um
escritor, mas se não houver isso, a pessoa definha, murcha. E a questão de
fazer algo sobre isso depende de uma energia persistente. Um homem como Agassiz
nunca fica entediado ou fatigado. A mudança da recepção de estímulos para o
registro é o que toma a energia de uma vida toda.
ENTREVISTADOR — Você
acha que o mundo moderno mudou as maneiras que a poesia pode ser escrita?
POUND — Existe
muita competição que não havia antes. Observe o lado sério da Disney e o lado
confucionista da Disney. Foi criado um ethos, assim como no filme da “Perri”,
uma esquilo fêmea, onde há os valores da coragem e ternura dispostos de modo
que todos possam compreender. Lá temos uma genialidade absoluta. Podemos
ver uma correlação da natureza mais grandiosa do que havia sido vista antes do
tempo de Alexandre o Grande. Alexandre dava ordens para que se o pescador
encontrasse algo interessante, uma coisa específica, falasse para Aristóteles.
E com essa correlação, chegamos à ictiologia em um grau científico que
permaneceu assim por dois mil anos. E agora é possível obter com uma câmera uma
enorme correlação de particularidades. A capacidade de fazer contato é um
tremendo desafio para a literatura. Isso expõe a questão do que é necessário
ser produzido e do que é supérfluo.
ENTREVISTADOR —
Talvez seja uma oportunidade também. Particularmente quando você era jovem, e
até mesmo no decorrer da produção dos Cantos, você mudou seu estilo poético
várias vezes. Você nunca se satisfez em fixar-se em algum lugar. Você estava
conscientemente buscando ampliar seu estilo? O artista precisa continuar
mudando?
POUND — Eu acho
que o artista deve continuar mudando. Você está tentando levar a vida de modo
que não entedie as pessoas, e tenta derrubar o que vê.
ENTREVISTADOR — Eu
gostaria de saber o que você acha dos movimentos contemporâneos. Eu não vi
comentários seus sobre poetas mais recentes que Cummings, a não ser sobre
Bunting e Zukofsky. Outras coisas o ocuparam, eu suponho.
POUND — Não é
possível ler tudo. Eu estava tentando decifrar fatos históricos, e não é possível
ver o que há atrás de sua própria cabeça. Eu não acho que haja registros de
qualquer homem capaz de criticar as pessoas que surgem após ele. É uma questão
diáfana da quantidade de leitura que um homem pode realizar. Eu não sei se é
ele ou uma pedra preciosa que coletou, mas de qualquer forma, umas das coisas
que Frost disse em Londres em 1912 – ou quando quer que tenha sido – foi isso:
“Resumo da oração: ‘Ó Deus, preste atenção em mim’. ” E é essa a atitude dos
jovens escritores – não exatamente para a divindade! – e em geral é preciso
limitar a leitura aos poetas jovens que são recomendados no mínimo por outros
jovens poetas, como patrocinadores. É claro que um discurso desse tipo poderia
levar à conspiração, mas de qualquer jeito... Enquanto critica pessoas mais
novas, não se tem tempo para fazer comparação estimativa. Quando alguém aprende
algo de uma pessoa, se compara com ela. Eu vejo tempos agitados agora, mas...
Para condições gerais, há indubitavelmente uma alegria. E Cal (Robert) Lowell é
muito bom.
ENTREVISTADOR —
E você aconselhou os jovens por toda a sua vida. Você tem algo especial para
dizer a eles agora?
POUND — Para
incrementarem sua curiosidade e não serem falsos. Mas isso não é suficiente. A
mera anotação e uma dor de barriga e o esvaziamento da lata de lixo não são
suficientes. Um estudante da Universidade da Pensilvânia em Punchbowl costumava
ter como lema, “Qualquer tolo idiota pode ser espontâneo.”
ENTREVISTADOR —
Uma vez você escreveu que tinha quatro dicas úteis de predecessores literários
vivos, que eram Thomas Hardy, William Butler Yeats, Ford Madox Ford e Robert
Bridges. Quais eram essas dicas?
POUND — A de
Bridges era a mais simples: um aviso contra homofônicos. A de Hardy era o nível
ao qual se deve concentrar no assunto da questão, e não na questão. A de Ford,
em geral, era o frescor da língua. E você disse que a de Yeats era a quarta
dica? Bem, por volta de 1908 Yeats havia escrito letras simples nas quais não
há retirada da ordem natural das palavras.
ENTREVISTADOR —
Você era secretário de Yeats em 1913 e 1914. Que tipo de coisas você fazia para
ele?
POUND — Na
maioria das vezes, ler em voz alta. “Dawn in Britain” de Doughty, e assim por
diante. E discutir, é claro. A contradição Irlandesa. Ele tentava aprender a
manusear uma quarenta e cinco (arma de fogo), o que era engraçado. Ele
debatia-se com as folhas como uma baleia, e algumas vezes dava a impressão de
ser um idiota pior que eu.
ENTREVISTADOR —
Há uma controvérsia acadêmica sobre sua influência em Yeats. Você trabalhou
em suas poesias com ele? Você cortou algum dos poemas dele do mesmo modo com
que fez no “The Waste Land”?
POUND — Não
acho que me lembre de algo assim. Estou certo de ter contestado expressões
particulares. Certa vez, com Rapallo, eu tentei – pelo amor de Deus – evitar
que ele imprimisse uma coisa. Eu disse a ele que estava uma porcaria. Tudo o
que ele fez foi imprimir aquilo com um prefácio dizendo que eu disse que era um
lixo. Me lembro de quando Tagore começou a rabiscar na beirada de suas provas,
e disseram a ele que aquilo era arte. Houve um show disso em Paris. “Isso é
arte”? Ninguém estava muito interessado nesses rabiscos, mas é claro que muitas
pessoas mentiram para ele. Na medida em que ocorre a mudança em Yeats, acho que
Madox Ford pode ter algum crédito. Yeats nunca teria aceitado um conselho de
Ford, mas eu acho que Fordie o ajudou, através de mim, tentando buscar a
direção de uma maneira de escrever natural.
ENTREVISTADOR —
Alguém já o ajudou em seu trabalho assim como você ajudou aos outros? Quer
dizer, com críticas ou cortes?
POUND — Além de
Fordie rolando no chão indecorosamente e segurando a cabeça com as mãos, e
gemendo em certa ocasião, não acho que ninguém tenha me ajudado no decorrer dos
meus manuscritos. A natureza de Ford então parecia ter se perdido, mas ele
levou a briga contra arcaísmos terciários.
ENTREVISTADOR —
Você se associou de perto com artistas visuais – Gaudier-Brzeska e Wyndham
Lewis nos vórtices do movimento, e mais tarde com Picabia, Picasso e Brancusi.
Isso teve alguma coisa a ver com você como escritor?
POUND — Eu
creio que não. Posso ter olhado as pinturas nas galerias e ter encontrado algo.
O poema “O Jogo de Xadrez” mostra o efeito da arte abstrata moderna, mas o
vorticismo, no meu ponto de vista, era uma renovação do senso de construção. A
cor morreu e Manet e os impressionistas a ressuscitaram. Então o que eu podia
chamar de senso de forma se manchou, e o vorticismo, sendo distinto do cubismo,
era uma tentativa de restabelecer o senso de forma – a forma que havia em “De
Prospectiva pingendi”, de Piero della Francesca, o seu tratado sobre proporções
e composição. Eu me iniciei na ideia de formas comparativas antes de deixar a
América. Um amigo chamado Poole fez um livro sobre composição. Eu tinha algumas
coisas em mente quando cheguei em Londres, e tinha ouvido falar sobre Catulus
antes de ouvir sobre poesia moderna Francesa. Há um tanto de biografia que pode
ser retificado.
ENTREVISTADOR —
Eu estava pensando sobre suas atividades literárias na América antes de vir à Europa.
Falando nisso, quando você veio pela primeira vez?
POUND — Em
1898, quanto tinha doze anos, com minha tia avó.
ENTREVISTADOR —
Você estava lendo poesia Francesa nesta época?
POUND — Não, eu
acho que estava lendo “Elegy in a Country Churchyard” de Gray ou algo assim.
Não, eu não estava lendo poesia Francesa. Eu comecei a estudar Latim no outro
ano.
ENTREVISTADOR —
Você entrou na faculdade com quinze, não é?
POUND — Eu fiz
isso pra me livrar dos exercícios na Academia Militar.
ENTREVISTADOR —
Como você começou a ser um poeta?
POUND — Meu
avô, de um lado, costumava corresponder-se com o banco local em versos. Minha avó e
seus irmãos, do outro lado, costumavam usar versos de cabo a rabo em suas
cartas. Era pra garantir que ninguém além deles havia escrito aquelas coisas.
ENTREVISTADOR —
Você aprendeu alguma coisa em seus estudos universitários que o tenham ajudado
como poeta? Eu creio que você estudou por sete ou oito anos...
POUND — Apenas
seis. Bem, seis anos e quatro meses. Eu escrevia o tempo todo, especialmente
enquanto estudante da graduação. Eu comecei estudando Latim e Brut de Layamon
no primeiro ano. Eu entrei para a Universidade por conta do meu Latim; foi a
única razão pela qual eles me aceitaram. Eu tinha a ideia, aos
quinze, de fazer um levantamento geral. É claro que se eu era ou não um poeta,
era uma questão para os deuses decidirem, mas ao menos cabia a mim descobrir o
que havia sido feito.
ENTREVISTADOR — Você
foi professor apenas por quatro meses, até onde me lembro. Mas você sabe que
agora os poetas na América são, na maior parte das vezes, professores. Você tem
alguma ideia sobre a conexão do ensino na Universidade com a produção de
poesia?
POUND — É o
fator econômico. Um homem tem que conseguir seu sustento de algum modo.
ENTREVISTADOR —
Como você levou tantos anos na Europa?
POUND — Ah,
Deus. Ó meu Deus! Meu ganho inicial de Outubro de 1914 a Outubro de 1915 era
de £42.10.0. Esses números estão profundamente encravados em minha memória...
Eu nunca fui muito bom em escrever para as revistas. Certa vez eu fiz um artigo
satírico para a “Vogue”, eu acho que era essa a revista, sobre um pintor que eu
não admirava. Eles pensaram que eu havia conseguido o tom certo e então
Verhaeren morreu, e eles me pediram para fazer uma nota sobre ele. Então eu me
acalmei e disse, “Você quer uma bela, inteligente e rápida notícia obituária do
homem mais melancólico da Europa.” “Como assim ele era melancólico?” “Sim,” eu
disse. “Ele escreveu sobre camponeses ou faisões?” “Camponeses”. “Ó, não acho
que devamos falar sobre isso.” Foi assim que eu aleijei minha capacidade de
fazer dinheiro por não saber ficar quieto.
ENTREVISTADOR — Li
em algum lugar – creio que você mesmo escreveu – que uma vez tentou escrever um
romance. Onde isso foi parar?
POUND —
Felizmente, na lareira do Langham Palace. Acho que houve duas tentativas antes
que eu tivesse qualquer ideia acerca do que deveria ser um romance.
ENTREVISTADOR — E
essas tentativas tiveram alguma coisa a ver com “Hugh Selwyn Mauberley”?
POUND — As
tentativas foram feitas bem antes de “Mauberley”. “Mauberley” veio mais tarde,
mas foi a tentativa precisa no sentido de reduzir o romance ao tamanho do
verso. É realmente “Contacts and Life”. Wadsworth parecia achar
“Propertius” difícil porque era sobre Roma, de modo que se aplicou a mesma
coisa ao mundo exterior contemporâneo.
ENTREVISTADOR —
Você disse que foi Ford quem o ajudou a adquirir uma linguagem natural, não
foi? Voltemos novamente para Londres.
POUND —
Estávamos à procura de uma linguagem simples e natural, e Ford, dez anos mais
velho, acelerou o processo nessa direção. Havia uma discussão contínua a esse
respeito. Ford conhecia as melhores pessoas que haviam chegado antes dele, como
se vê, e não tinha ninguém com quem se divertir até que Wyndhan, eu e minha geração
surgimos. Ele era completamente contrário ao dialeto, digamos assim, de Lionel
Johnson e Oxford.
ENTREVISTADOR —
Você esteve em contato por duas ou três décadas com todos os principais
escritores ingleses da época, e com uma porção de pintores, escultores e
músicos. De todas essas pessoas, qual foi a mais estimulante para você como
artista?
POUND — Eu me
baseava mais em Ford e Gaudier. Eu deveria pensar que as pessoas sobre as quais
escrevi eram as mais importantes para mim. Não há muito o que se rever quanto a
isso. Talvez eu possa ter limitado minha obra, assim como o interesse nela,
concentrando-me na inteligência específica de certas pessoas, ao invés de
observar no caráter e personalidade completos dos meus amigos. Wyndham Lewis
sempre proclamava que eu jamais vi as pessoas, pois nunca notava como elas eram
más, como eram uns filhos da mãe. Eu não estava nem um pouco interessado nos
vícios dos meus amigos, mas sim na inteligência deles.
ENTREVISTADOR —
James era um tipo de padrão para você em Londres?
POUND — Quando
ele morreu, tive a impressão de que não se havia mais ninguém a quem perguntar
qualquer coisa. Até então, achava que alguém deveria saber. Depois
de meus sessenta e cinco anos, tive grande dificuldade em constatar que eu era
mais velho que o James quando o conheci.
ENTREVISTADOR —
Você conheceu Remy de Gourmont pessoalmente? Você o mencionou muitas vezes.
POUND — Apenas
por cartas. Houve uma carta que Jean de Gourmont também considerou importante,
onde ele disse, “Franchement d’écrire ce qu’on pense, seul plaisir d’un
écrivain.*”
*Francamente, escrever o que
se pensa é o único prazer de um escritor.
ENTREVISTADOR — É
surpreendente que você tenha vindo à Europa e se associado rapidamente com os
melhores escritores vivos. Você já sabia de algum desses poetas na América,
antes de ir embora? Robinson significava algo para você?
POUND — Aiken
tentou me fazer gostar de Robinson, mas não conseguiu. Isso aconteceu em
Londres também. Então arranquei dele a informação de que havia um cara de
Harvard escrevendo coisas interessantes. Mr. Eliot apareceu mais ou menos um
ano depois. Não, acho que por volta de 1900, já tínhamos Carman e Hovey,
Carwine e Vance Cheney. A impressão, então, era a de que as coisas Americanas
eram tão boas, sob qualquer aspecto, quanto as Inglesas. E tínhamos as edições
piratas de Mosher das edições inglesas. Não, eu fui para Londres porque achava
que Yeats sabia mais sobre poesia do que qualquer outra pessoa. Eu vivia minha
vida em Londres visitando Ford à tarde e Yeats à noite. Mencionando sobre um
para o outro, sempre começava uma discussão. Esse era o exercício. Fui estudar
com Yeats e verifiquei que Ford discordava dele. Assim, continuei a discordar
dos dois por vinte anos.
ENTREVISTADOR —
Em 1942, você escreveu que você e Eliot tiveram uma desavença chamando um ao
outro de protestante. Gostaria de saber o que foi essa divergência.
POUND — Ah, eu
e Eliot começamos a discordar desde o começo. O que há de divertido numa
amizade intelectual é que a gente diverge quanto a isto ou aquilo, e concorda
quanto a apenas alguns pontos. Eliot teve durante toda a vida a paciência
cristã da tolerância, ou coisa assim, e trabalhando bastante arduamente, deve
ter me achado um sujeito muito difícil. Desde que nos conhecemos, começamos a
discordar a respeito de muitas coisas. Também concordávamos em poucas coisas, e
imagino que nós dois tivemos razão quanto a uma ou outra coisa.
ENTREVISTADOR —
Bem, houve algum ponto em que, poética e intelectualmente, você se sentiu mais
deslocado do que já havia estado?
POUND — Há todo
o problema da relação entre o Cristianismo e o Confucionismo, e a questão dos
diferentes ramos do Cristianismo. Há a luta a favor dos Ortodoxos – Eliot
pela Igreja, eu brigando por determinados teólogos. Em certo sentido, a curiosidade
de Eliot parecia estar focada em um número menor de problemas. Até mesmo isso é
muito para se dizer. A verdadeira perspectiva da geração experimental era uma
questão de ethos individual.
ENTREVISTADOR — Você acha que, como poetas, vocês sentiram uma divergência em fundamentação técnica, sem relação com os temas?
ENTREVISTADOR — Você acha que, como poetas, vocês sentiram uma divergência em fundamentação técnica, sem relação com os temas?
POUND —
Primeiramente, eu diria que a divergência era uma diferença quanto aos temas.
Indubitavelmente, ele possuía uma linguagem natural. Quanto à linguagem
teatral, me parece que ele deu uma contribuição muito importante. E foi capaz
também de fazer contato com um ambiente sobrevivente, e um estado sobrevivente
de compreensão.
ENTREVISTADOR —
Isso me lembra duas óperas — “Villon” e “Cavalcanti” — que você escreveu. Como
você começou a compor música?
POUND — Eu
queria a palavra e a melodia. Eu desejava que a grande poesia fosse cantada, e
a técnica libretto de ópera Americana não era satisfatória. Eu queria, com a
qualidade dos textos de “Villon” e “Cavalcanti”, obter algo mais amplo que a simples
lírica. É isso.
ENTREVISTADOR — Suponho que seu interesse na “canção das palavras” foi estimulado particularmente pelo seu estudo da Provença. Você acha que sua descoberta da poesia provençal constituiu seu maior avanço? Ou talvez tenham sido os manuscritos de Fenollosa?
ENTREVISTADOR — Suponho que seu interesse na “canção das palavras” foi estimulado particularmente pelo seu estudo da Provença. Você acha que sua descoberta da poesia provençal constituiu seu maior avanço? Ou talvez tenham sido os manuscritos de Fenollosa?
POUND — O
Provençal começou com um interesso muito imaturo, então não foi realmente uma
descoberta. E o Fenollosa foi inesperado e um choque diante da minha
ignorância. Eu possuía o conhecimento interno da significação de Fenollosa e a
ignorância de uma criança de cinco anos.
ENTREVISTADOR — Como
a Sra. Fenollosa se encontrou com você?
POUND — Bom, me
encontrei com ela na casa de Sarojini Naidu e ela disse que Fenollosa havia
vivido em oposição a todos os professores e academias. Ela tinha visto algumas
de minhas obras, falou também que eu era a única pessoa capaz de terminar
aquelas anotações da mesma forma com que Earnest as queria prontas.
Fenollosa viu o que necessitava ser feito, mas não teve tempo para terminar.
ENTREVISTADOR —
Deixe-me mudar de assunto agora e perguntar algumas coisas que são mais
biográficas que literárias. Eu li que você nasceu em Hailey, Idaho, em 1985.
Suponho que tenha sido bem difícil lá, não é?
POUND — Eu
parti de lá com dezoito meses de idade, e não me lembro dessa dificuldade.
ENTREVISTADOR — Você
não cresceu em Hailey?
POUND — Não,
não cresci lá.
ENTREVISTADOR — O
que sua família fazia lá quando você nasceu?
POUND — Meu pai
abriu um negócio governamental lá. Eu cresci perto da Filadélfia. Nos subúrbios
da Filadélfia.
ENTREVISTADOR —
O índio selvagem do Oeste então não era...?
POUND — O índio
selvagem do oeste é apócrifo, e o ensaiador assistente da mina não era um dos
mais notáveis bandidos da fronteira.
ENTREVISTADOR —
Acredito que seja verdade que seu avô construiu uma via férrea. Qual foi a
história disso?
POUND — Bem,
ele levou a ferrovia até Chippewa Falls e eles não o deixaram ampliar mais os
trilhos. Isso está nos “Cantos”. Assim, ele foi para o norte do Estado de Nova
Iorque e encontrou trilhos numa estrada de ferro abandonada, comprou tudo e os
transportou, e então usou esse crédito com os lenhadores para fazer a estrada
chegar até Chippewa Falls. O que gente aprende em casa é diferente do que
se aprende na escola.
ENTREVISTADOR —
O seu interesse em cunhagem começou com o trabalho de seu pai na mina?
POUND — Posso
ficar horas falando disso. Os departamentos governamentais eram mais informais
naquela época, embora eu não saiba de qualquer outro menino que tenha entrado
lá para visitá-los. Hoje em dia os visitantes são conduzidos através de
túneis de vidro e veem as coisas de certa distância, mas naqueles tempos
podíamos ir à sala de fundição e ver o ouro empilhado no cofre. Ofereciam-nos
um grande saco de ouro, dizendo que podíamos levá-lo conosco. Mas a gente não
conseguia levantar. Quando os democratas finalmente voltaram ao governo,
contaram todos os dólares em prata – quatro milhões de dólares em prata. Todos
os sacos haviam apodrecido naquelas grandes galerias úmidas, e eles carregavam
todo o dinheiro com pás maiores que as de carvão, para colocar as quantias nas
máquinas de contar. Esse espetáculo de moedas removidas como se fossem camadas
humíferas, aqueles sujeitos cobertos de dinheiro até à cintura lançando as
moedas, por meio de pás, nas chamas de gás – era coisa que mexia com a
imaginação. Há, ainda, toda a técnica de se fazer dinheiro metálico. Em
primeiro lugar, o exame da prata requer muito mais habilidade que o exame do
ouro. O ouro é simples. É pesado, depois refinado e pesado de novo.
Pode-se saber o grau do metal por meio de pesos apropriados. Mas o teste da
prata constitui uma solução nebulosa; a exatidão do olho na medição da
espessura da nebulosidade constitui uma percepção estética, como o senso
crítico. Agrada-me a ideia da fínura do metal, que analogamente nos remete ao
hábito de testar manifestações verbais. Naquela época tanto as barras de ouro
como os espécimes de piritas tidas como ouro, eram levadas ao escritório do meu
pai. A gente ouvia a conversa sobre o último sujeito que trouxera uma
barra de ouro que não passava de ouro fajuto.
ENTREVISTADOR —
Sei que você considera a reforma monetária como a chave de um bom
governo. Gostaria de saber por qual processo o senhor passou dos
problemas estéticos para os problemas governamentais. Acaso a Grande Guerra, em
que morreram tantos de seus amigos, foi responsável por isso?
POUND — A
Grande Guerra chegou de surpresa e, certamente, ver os ingleses – essa gente
que jamais fez coisa alguma – unirem-se e lutarem, foi algo muito impressionante.
Mas assim que tudo acabou eles morreram, e a gente passou os vinte anos
seguintes tentando evitar a Segunda Guerra. Não sei dizer exatamente quando
começou meu estudo sobre o governo. Acho que a redação da New Age Office
me ajudou a ver a guerra não como um acontecimento isolado, mas como parte de
um sistema, uma guerra após outra.
ENTREVISTADOR —
Há um ponto específico de ligação entre a literatura e a política que você
estabelece em seus escritos que me interessa muito. No “A.B.C. of Reading” você
diz que os bons escritores são aqueles que mantém a linguagem eficiente, e que
essa é a função deles. Você desassocia essa função do partido político. É
possível que um homem do partido errado use eficientemente a linguagem?
POUND — Pode.
Aí é que está todo o problema! Uma arma é sempre boa, não importa quem aperte o
gatilho.
ENTREVISTADOR —
Pode um instrumento pacífico ser usado para criar desordem? Suponha que
uma boa linguagem seja usada para fomentar um mau governo. Um mau governo não
faz uma má linguagem?
POUND — Sim,
mas a má linguagem está fadada a fazer um mau governo, enquanto que a boa
linguagem não está destinada a fazer um mau governo. Isso também é
Confúcio: se as ordens não forem claras, não podem ser executadas. As leis de
Lloyd George eram uma bagunça tão grande que os advogados nunca sabiam o que
elas significavam. E Talleyrand proclamou que os políticos mudavam o sentido
das palavras entre uma e outra conferência. Os meios de comunicação se rompem,
e é disso que estamos sofrendo agora. Estamos suportando o esforço de se
trabalhar sobre o subconsciente sem apelar para a razão. Eles repetem uma
denominação qualquer em uma música e depois repetem a música sem essa
denominação, para que justamente a música traga à mente aquela denominação.
Penso no assalto. Sofremos do uso da linguagem para esconder os pensamentos e
impedir todas as respostas diretas e vitais. Há o uso delimitado da propaganda,
linguagem retórica, meramente para calar e iludir.
ENTREVISTADOR —
Onde terminam a ignorância e a inocência e o sofismo começa?
POUND — Existe
a ignorância natural e a artificial. Eu diria que no presente momento a
ignorância artificial é cerca de oitenta e cinco por cento.
ENTREVISTADOR —
Que tipo de atitude se pode tomar?
POUND — A única
chance de vitória contra a lavagem cerebral é o direito que cada homem tem de
ter suas ideias julgadas de cada vez. Jamais se chega à clareza enquanto se tem
tais ideias empacotadas, enquanto uma palavra é usada por vinte e cinco pessoas
de vinte e cinto maneiras diferentes. Essa me parece ser a primeira luta, se
quisermos que sobre algum intelecto. É duvidoso até que ponto se permitirá à
alma individual sobreviver de algum modo. Hoje temos um movimento Budista que
tem tudo, exceto Confúcio em seus ensinamentos. Uma Circe Indiana de negação e
dissolução.
Defrontamo-nos com um número
enorme de mistérios. Há o problema da benevolência, o ponto em que a
benevolência deixou de ser eficaz. Eliot diz que eles passam o tempo tentando
imaginar sistemas tão perfeitos onde ninguém precisará ser bom. A gente
não pode se esquivar de uma porção de questionamentos feitos nesse ensaio de
Eliot, como, por exemplo, a questão de saber se existe qualquer possibilidade
de se mudar a escala de valores de Dante pela escala de valores de Chaucer.
Se existe, até que ponto? As pessoas que perderam a reverência perderam
muito. Foi esse o ponto em que rompi com Tiffany Thayer. Todas essas
palavras imponentes se convertem em clichês. Há o mistério da dispersão, o
fato de as pessoas que presumivelmente se entendem, se encontrarem
geograficamente dispersas. Um homem que se adapta ao seu meio, como
ocorre com Frost, deve ser considerado um homem feliz.
Oh, a sorte de um homem como
Mavrocordato, que está em contato com outros estudiosos, de modo que exista
algum lugar em que ele pode confirmar um ponto! Agora, em relação a certos
pontos em que desejo verificação, há um sujeito chamado Dazzi, em Veneza, para
quem escrevo e que me vem com uma resposta, como, por exemplo, que fosse para
uma questão que pudesse referir-se à Doação de Constantino. Mas as
vantagens que supomos serem inerentes na universidade – onde existem outras
pessoas que contrôl * a opinião ou que contrôl os dados – eram muito
grandes. É enfraquecedor não tê-las. Claro que tenho tentado há mais de
dez anos fazer com que qualquer membro de uma faculdade americana se refira a
qualquer outro membro de sua mesma faculdade, em seu próprio departamento ou
fora dele, com inteligência, e que o respeite para discutir assuntos
sérios. Num dos casos, um desses senhores lamentava o fato de que outro
indivíduo havia deixado a faculdade.
Não tenho conseguido obter
respostas diretas de pessoas acerca de questões que me pareciam de importância
vital. Isso pode ter sido devido à violência ou obscuridade com que eu fazia as
perguntas. Acho que a chamada obscuridade não é obscuridade na linguagem, mas
no fato de a outra pessoa não ser capaz de perceber por que dizemos alguma
coisa. O ataque contra Endymioni, por exemplo, se tornou complicado por
que Gífford e companhia não conseguirem perceber por que razão Keats estava
fazendo aquilo. Outra luta tem sido a de manter o valor de um caráter local e
particular, de uma determinada cultura, nesta grande confusão, nesta terrível
avalanche rumo à uniformidade. Toda a luta tem por objetivo a preservação da
alma individual. O inimigo é a supressão da história; contra nós, há a
desnorteante propaganda e lavagem cerebral, luxo e violência. Sessenta anos
atrás, a poesia era a arte do pobre: um homem nos limites da civilização, ou
Frémont, partindo com um texto grego no bolso. Um homem que quisesse o melhor
poderia consegui-lo numa fazenda solitária. Na época, havia o cinema, e agora
existe a televisão.
ENTREVISTADOR —
A sua ação política que todos se lembram, foram declarações pelo rádio feitas
na Itália durante a guerra. Quando o senhor proferia tais palestras tinha
consciência de que estava infringindo a lei americana?
POUND — Não,
fiquei completamente surpreso. Como vê, eu tinha feito aquela promessa.
Concediam-me a liberdade do microfone duas vezes por semana. "Não pedirão
que diga coisa alguma contrária à sua consciência ou ao seu dever como cidadão
americano”. Pensei que isso abrangia tudo.
* Pound indica que está
usando o contrôler Francês: “verificar, checar informações ou fatos.”
ENTREVISTADOR — A lei da traição não se refere a "conceder ajuda e conforto ao inimigo", e o inimigo não é o país com quem se está em guerra?
ENTREVISTADOR — A lei da traição não se refere a "conceder ajuda e conforto ao inimigo", e o inimigo não é o país com quem se está em guerra?
POUND — Eu
achava que estava lutando em favor de uma questão condicional. Quer dizer, pode
ser que eu estivesse completamente maluco, mas sentia, sem dúvida, que não
estava cometendo traição. Wodehouse também falou no rádio, mas os britânicos
não o proibiram. Ninguém me disse que não fizesse isso também. Não houve
comunicação alguma, até o colapso de que as pessoas que haviam falado pela
rádio seriam submetidas a processos judiciais. Tendo trabalhado durante anos
para evitar a guerra, e vendo a loucura da Itália e dos Estados Unidos, eu
certamente não estava dizendo às tropas que se revoltassem. Eu achava que
estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquer
homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra
raças, crença ou cor, que se apresente e as repita com detalhes. O “Guide to
Kulchur” foi dedicado a Basil Bunting e a Louís Zukovsky, um quacker e um
judeu.
Não sei se você acha que os
russos devem estar em Berlim ou não. Não sei se eu estava fazendo algum bem ou
não, ou se estava fazendo algum mal. Oh, eu estava provavelmente do lado
errado. Mas a lei em Boston, diz que não há traição sem que haja intenção de
tal. Eu estava certo quanto à preservação dos direitos individuais.
Se, quando o poder executivo ou
qualquer outro ramo do governo se excede em seus poderes legítimos, ninguém
protesta, a gente perde todas as liberdades. Meu método de oposição à tirania
esteve errado durante um período de mais de trinta anos – mas não tinha nada a
ver com a Segunda Guerra Mundial em particular. Se o indivíduo, ou o
herético, apreender certa verdade essencial, ou vir algum erro no sistema que
está sendo aplicado, ele próprio comete tantos erros marginais, que se
considera esgotado antes de poder provar seu ponto de vista.
O mundo, nos últimos vinte anos,
acumulou muita histeria: ansiedade quanto a uma terceira guerra, tirania
burocrática e histeria causada por fórmulas de papel. A imensa e inegável perda
de liberdade, tal como era em 1900, é inegável. Temos visto o
aceleramento da eficiência dos fatores tiranizantes. Basta, para isso,
que se mantenha um homem preocupado. As guerras são feitas para criar débitos.
Creio que há possibilidade nos satélites do espaço e em outras formas de fazer
dívidas.
ENTREVISTADOR — Quando você foi pego pelos americanos esperava ser preso? Ou mesmo ser enforcado?
ENTREVISTADOR — Quando você foi pego pelos americanos esperava ser preso? Ou mesmo ser enforcado?
POUND — No
começo, fiquei perplexo, pensando que havia cometido algum engano em algum
momento. Eu esperava voltar-me para mim mesmo e que me perguntassem o que
eu havia aprendido. Eu fiz isso, mas ninguém me perguntou nada. Sei que me
analisei em várias ocasiões, durante as transmissões, refletindo que não cabia
a mim fazer certas coisas, nem trabalhar para um país estrangeiro. Oh, era uma
paranóia pensar que se podia argumentar contra as usurpações, contra os
sujeitos que desencadearam a guerra para que os Estados Unidos participasse
dela. Todavia, odeio a ideia de obediência a algo que é errado. Fui, depois,
levado para o pátio da prisão, em Chiavari. Eles fuzilavam os prisioneiros, e
eu pensei que tinha chegado meu fim. Então, finalmente, um sujeito se
aproximou de mim e disse que ele estaria ferrado se ele me entregasse aos
americanos, a menos que eu mesmo quisesse ser entregue.
ENTREVISTADOR — Em
1942, quando os Estados Unidos entraram na guerra, eu entendi que você tentou
sair da Itália e voltar para a América. Quais foram as circunstâncias da
recusa?
POUND — Tais
circunstâncias foram só boato. Não tenho muito claro na minha memória um certo
período de tempo, e acho que... Eu lembro que tive uma chance de chegar até
Lisboa, e ficar escondido lá até o fim da guerra.
ENTREVISTADOR —
Por que você quis voltar aos EUA naquela época?
POUND — Eu
queria voltar durante a eleição, antes da eleição.
ENTREVISTADOR — A
eleição foi em 1940, não é?
POUND — Seria
em 1940. Honestamente, não lembro o que aconteceu. Meus pais estavam muito
velhos para viajar. Eles tiveram que ficar em Rapallo. Meu pai se aposentou lá.
ENTREVISTADOR — Durante
aqueles anos de guerra na Itália você escreveu poesias? Os “Pisan Cantos” foram
escritos enquanto você esteve internado. O que você escreveu durante aqueles
anos?
POUND —
Argumentos, argumentos e argumentos. Ah, eu fiz algumas traduções de Confúcio.
ENTREVISTADOR —
Como foi o fato de você voltar a escrever poesia somente depois de ter sido
internado? O senhor não escreveu quaisquer cantos durante a guerra,
escreveu?
POUND —
Deixe-me ver – as coisas sobre Adams apareceram pouco antes de a guerra
estourar. Não. Escrevi “Oro e lavoro”. Eu estava escrevendo coisas
sobre economia em italiano.
ENTREVISTADOR — Desde
sua prisão você publicou três coleções de “Cantos” e recentemente, “Thrones”.
Você já deve estar perto do fim. Poderia dizer o que vai fazer nos “Cantos”
restantes?
POUND — É
difícil escrever um paradiso, quando todas as indicações superficiais são as de
que se deveria escrever um apocalipse. É evidentemente muito mais fácil
encontrar habitantes para um inferno ou para um purgatório. Estou
tentando reunir os registros dos voos mais altos da mente. Talvez eu
tivesse feito melhor em colocar Agassiz no topo, ao invés de Confúcio.
ENTREVISTADOR —
Você está mais ou menos estagnado?
POUND — Ok,
estou estagnado. A pergunta é: estou morto, como os senhores A.B.C desejam?
Caso eu enguice, e é o que provisoriamente terei de fazer: devo elucidar
obscuridades; tornar mais claras ideias definidas e dissociações. Devo
descobrir uma fórmula verbal para combater o aumento da brutalidade – o
princípio de ordem versus desintegração do átomo. Havia um homem no manicômio,
a propósito, que insistia em dizer que o átomo jamais fora desintegrado.
Um épico é um poema que contém
história. A mente moderna contém elementos heteróclitos. A poesia épica
teve êxito quando todas ou uma grande parte das respostas eram pressupostas,
pelo menos entre o autor e a assistência, ou uma grande massa da assistência. A
tentativa, numa época experimental é, por conseguinte, temerária. O senhor
conhece a história: “O que você está desenhando, Johnny?” “Deus.” “Mas ninguém
sabe qual é a aparência Dele.” “Saberão, quando eu terminar!” Tal confiança já
não é mais possível. Existem temas épicos. A luta pelos direitos individuais é
um assunto épico, consequência dos julgamentos por conselhos de jurados em
Atenas até Anselmo versus William Rufus, até o assassinato de Becket e, desde o
assassinato de Coke até John Adams.
Então, tal luta parece surgir
contra um bloco. A natureza da soberania é uma questão épica, embora possa ser
um tanto obscurecida pelas circunstâncias. Algo disso pode ser traçado,
indicado; evidentemente, tem de ser condensado, a fim de adquirir forma. A
natureza do indivíduo, o conteúdo heteróclito da consciência contemporânea.
Essa a luta da luz contra a subconsciência; exige obscuridades e penumbras. Uma
grande parte do que se escreve hoje em dia evita as áreas inconvenientes do
assunto.
Eu estou escrevendo a fim de resistir à ideia de que a Europa e a civilização estão caminhando para o Inferno. Se estou sendo "crucificado por uma ideia" – isto é, a ideia coerente em torno da qual minhas confusões se acumulam é devido, provavelmente, à ideia de que a cultura europeia necessita sobreviver, de que suas melhores qualidades devem sobreviver juntamente com quaisquer outras culturas, qualquer que seja a sua universalidade. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, terá você uma bela e simples resposta? Temos trabalhado com certos materiais, procurando estabelecer as bases e os eixos de referência. Escrevendo assim para sermos compreendidos, há sempre o problema de ratificação, sem que se renuncie ao que é correto. Há sempre a luta para não firmar um compromisso a favor da oposição.
ENTREVISTADOR — As partes separadas dos “Cantos”, agora – as três últimas seções apareceram com nomes separados – significam que você está referindo-se a problemas particulares em seções particulares?
Eu estou escrevendo a fim de resistir à ideia de que a Europa e a civilização estão caminhando para o Inferno. Se estou sendo "crucificado por uma ideia" – isto é, a ideia coerente em torno da qual minhas confusões se acumulam é devido, provavelmente, à ideia de que a cultura europeia necessita sobreviver, de que suas melhores qualidades devem sobreviver juntamente com quaisquer outras culturas, qualquer que seja a sua universalidade. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, terá você uma bela e simples resposta? Temos trabalhado com certos materiais, procurando estabelecer as bases e os eixos de referência. Escrevendo assim para sermos compreendidos, há sempre o problema de ratificação, sem que se renuncie ao que é correto. Há sempre a luta para não firmar um compromisso a favor da oposição.
ENTREVISTADOR — As partes separadas dos “Cantos”, agora – as três últimas seções apareceram com nomes separados – significam que você está referindo-se a problemas particulares em seções particulares?
POUND — Não.
“Rock Drill” tinha como intenção inferir a resistência necessária para
conseguir uma tese contrária – forçar. Eu não estava seguindo exatamente as
três divisões da “Divina Comédia”. Não se pode seguir o cosmo dantesco na
era do experimento. Mas fiz a divisão entre pessoas dominadas pela emoção,
pessoas lutando para elevar-se, e aquelas que possuem certa parte da visão
divina. Os “Thrones”, no “Paraíso de Dante”, são destinados aos espíritos
das pessoas que foram responsáveis por bons governos. Nos “Cantos”, os
“Thrones” são uma tentativa no sentido de o homem se livrar do egoísmo e
estabelecer uma definição de uma ordem possível ou, pelo menos, concebível sobre
a terra. Tem-se como apoio a baixa percentagem de razão que parece agir
nos assuntos humanos. Os “Thrones” dizem respeito aos estados de espírito de
pessoas responsáveis por algo mais que sua conduta pessoal.
ENTREVISTADOR —
Agora que você se aproxima da parte final, fez quaisquer planos para revisar os
“Cantos”, após tê-los terminado?
POUND — Não
sei. Há necessidade de melhorá-los, de torná-los mais claros, mas não sei se
uma revisão compreensiva seria possível. Não há dúvida de que o trabalho é
muito obscuro como se encontra gora, mas eu espero que a ordem de ascensão no
Paradiso seja na direção de uma clareza maior. É claro que deve haver uma
edição corrigida por conta dos erros nos quais eu rastejei.
ENTREVISTADOR —
Permita-me mudar de novo de assunto. Durante todos os anos que passou
internado no hospital St. Elizabeth, você conseguiu captar a realidade da
América contemporânea através dos que foram visitá-lo?
POUND — O
problema nos visitantes é que não dava pra saber muito sobre a oposição. Eu
sofro do isolamento crescente de não ter contato suficiente – quinze anos
vivendo mais com ideias do que com pessoas.
ENTREVISTADOR —
Você tem planos para voltar aos EUA? Você quer voltar?
POUND — Sem dúvida. Mas se há nisso uma nostalgia ou não pela América, já não sei. Há uma diferença entre um Adams-Jefferson abstrato, e uma América de Adams-Jackson e o que quer que esteja acontecendo. Indubitavelmente tenho momentos em que deveria gostar muito de viver na América. Há essas dificuldades concretas contra o desejo geral. Richmond é uma bela cidade, mas não se pode viver nela a menos que dirija um automóvel. Eu gostaria de passar pelo menos um ou dois meses por ano nos Estados Unidos.
POUND — Sem dúvida. Mas se há nisso uma nostalgia ou não pela América, já não sei. Há uma diferença entre um Adams-Jefferson abstrato, e uma América de Adams-Jackson e o que quer que esteja acontecendo. Indubitavelmente tenho momentos em que deveria gostar muito de viver na América. Há essas dificuldades concretas contra o desejo geral. Richmond é uma bela cidade, mas não se pode viver nela a menos que dirija um automóvel. Eu gostaria de passar pelo menos um ou dois meses por ano nos Estados Unidos.
ENTREVISTADOR —
Você disse outro dia que à medida que se torna mais velho, mais americano se
sente. Como isso acontece?
POUND —
Acontece. Os estrangeiros foram necessários como uma tentativa em uma base.
Somos transferidos e crescemos, e somos impelidos novamente ao local de onde
saímos, e esse lugar já não está mais lá. Os contatos já não estão mais lá, e
eu suponho que a gente se volta para a própria natureza e a considera
misericordiosa. Você já leu as memórias de Andy White? Foi ele quem
fundou a Universidade de Cornell. Aquele era o período de euforia, quando todo
o mundo pensava que todas as boas coisas da América iriam funcionar, por volta
de 1900. White abrange um período da história que vai até Buchanan. Ele
alternava, sendo hora embaixador da Rússia e reitor de Cornell.
ENTREVISTADOR —
Então sua volta à Itália foi um desapontamento?
POUND — Sem dúvida. A Europa foi
um choque. O choque de não mais se sentir no centro de algo talvez seja parte
disso. Há também a incompreensão, a incompreensão da Europa, da América
orgânica. Há muitíssimas coisas que eu, como americano, não posso dizer a
um europeu com esperança de ser compreendido. Alguém disse que eu sou o
último americano a viver a tragédia da Europa.
Nota: A saúde do Sr. Pound impossibilitou que ele terminasse a revisão dessa entrevista. O texto está completo, mas pode conter detalhes que o Sr. Pound teria mudado em circunstâncias melhores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário