HEIDEGGER
E FREUD
CONTRA
OS SANTOS DA INFLAÇÃO:
de
ontem como de hoje
Naturalmente
a filosofia da angústia de Heidegger também vive da disposição da crise
generalizada dos anos vinte. O mal-estar da civilização – o ensaio de Freud sob
esse título apareceu em 1929- estava muito difundido. A ensaística da concepção
de mundo daqueles anos estava marcada pelo sentimento de desconforto de um
mundo que naufragava, estava invertido ou estranho.
Os diagnósticos eram sombrios e inúmeras as terapias oferecidas. Buscava-se curar o todo enfermo em um ponto só. Como na política de Weimar, o centro democrático foi esmagado pelo extremismo dos que queriam mudança total, também na filosofia de crise daqueles anos preponderava a fuga para soluções extremas. Elas tinham diversos nomes: “proletariado”, “inconsciente”, “alma”, “sagrado”, “povo”, etc.
Naquela ocasião Carl Christian Bry examinou o mercado das filosofias de controle da crise em seu livro Religiões disfarçadas, Best-seller dos anos vinte. Quando o livro apareceu, dois anos antes de Ser e Tempo, de Heidegger, grassava um fanático anti-semitismo e pensamentos sobre a raça, começava a “bolchevização” no partido comunista alemão, Hitler escrevia Mein Kempf, em Landsberg, milhões buscavam salvação em seitas – ocultismo, vegetarianismo, nudismo, teo-antroposofia, havia muitas promessas de redenção e ofertas de orientação. O trauma da desvalorização monetária fizera crescer os negócios dos santos da inflação. Tudo pode se tornar “religião disfarçada”, dizia Bry, desde que se torne “monomaniacamente” o princípio único de interpretação e salvação.
Bry encontrou um critério surpreendentemente simples para a diferença entre religião e religião sucedânea. Uma religião de verdade educa por temor ao inexplicável do mundo. Na luz da fé, o mundo se torna maior, também mais obscuro, pois preserva seus mistérios, e o ser humano compreende-se como parte disso. Permanece incerto quanto a si mesmo. Para o monomaníaco da “religião disfarçada”, porém, o mundo encolhe. “Ele encontra em tudo e em cada coisa apenas a confirmação de sua opinião”, que defende com o ardor da fé contra o mundo e contra suas próprias dúvidas.
Os diagnósticos eram sombrios e inúmeras as terapias oferecidas. Buscava-se curar o todo enfermo em um ponto só. Como na política de Weimar, o centro democrático foi esmagado pelo extremismo dos que queriam mudança total, também na filosofia de crise daqueles anos preponderava a fuga para soluções extremas. Elas tinham diversos nomes: “proletariado”, “inconsciente”, “alma”, “sagrado”, “povo”, etc.
Naquela ocasião Carl Christian Bry examinou o mercado das filosofias de controle da crise em seu livro Religiões disfarçadas, Best-seller dos anos vinte. Quando o livro apareceu, dois anos antes de Ser e Tempo, de Heidegger, grassava um fanático anti-semitismo e pensamentos sobre a raça, começava a “bolchevização” no partido comunista alemão, Hitler escrevia Mein Kempf, em Landsberg, milhões buscavam salvação em seitas – ocultismo, vegetarianismo, nudismo, teo-antroposofia, havia muitas promessas de redenção e ofertas de orientação. O trauma da desvalorização monetária fizera crescer os negócios dos santos da inflação. Tudo pode se tornar “religião disfarçada”, dizia Bry, desde que se torne “monomaniacamente” o princípio único de interpretação e salvação.
Bry encontrou um critério surpreendentemente simples para a diferença entre religião e religião sucedânea. Uma religião de verdade educa por temor ao inexplicável do mundo. Na luz da fé, o mundo se torna maior, também mais obscuro, pois preserva seus mistérios, e o ser humano compreende-se como parte disso. Permanece incerto quanto a si mesmo. Para o monomaníaco da “religião disfarçada”, porém, o mundo encolhe. “Ele encontra em tudo e em cada coisa apenas a confirmação de sua opinião”, que defende com o ardor da fé contra o mundo e contra suas próprias dúvidas.
Ser e Tempo,
de Heidegger, fazia parte dessa disposição de crise, mas distinguia-se do
gênero em questão porque ali não se oferecia terapia. Em 1929 Freud introduzia
seu diagnóstico sobre O Mal-Estar na Civilização
com as palavras: “Assim falta-me o ânimo para aparecer diante dos meus
semelhantes como profeta, e aceito a acusação de que não sei trazer-lhes
consolo, pois no fundo é o que todos pedem”. Essas palavras também servem para
o empreendimento heideggeriano. Também ele pensa a partir da experiência do
mal-estar e nega-se a aparecer como profeta e “trazer consolo”.
In:
SAFRANSKI, Rüdiger. Heidegger: um mestre
da Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo: Geração Editorial, 2000. p.
193-4
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