Fotografia
Selvagem
(Jean
Baudrillard)
As
fotos mais bonitas são as tiradas dos selvagens, no lugar onde vivem. Porque o
selvagem sempre encara a morte, encara a objetiva exatamente como encara a
morte. Ele não é cabotino nem indiferente. Sabe posar, enfrenta. Sua vitória
está em transformar uma operação técnica num face-a-face com a morte. É isso
que os torna objetos fotográficos tão fortes, tão intensos. Quando a objetiva
não capta essa pose, essa obscenidade provocante do objeto diante da morte,
quando o objeto torna-se cúmplice da objetiva e o fotógrafo também se torna subjetivo,
então acaba o grande jogo fotográfico. O exotismo morre. Hoje é muito difícil
encontrar um sujeito, ou até um objeto, que não seja cúmplice da objetiva.
O
único segredo para a maioria é não saber como eles vivem. Esse segredo lhes dá
a auréola de um certo mistério, de certa selvageria, que a foto, se for boa,
capta. Captar nos rostos esse ar de ingenuidade e de destino que trai o fato de
eles não saberem quem são, de não saberem como vivem. Esse ar de impotência e
de estupefação que é completamente falho na raça mundana, esperta, ligada,
introspectiva, que vive no seu próprio sabor e, por isso, sem segredo. Para esses,
a foto é impiedosa.
Só
há foto daquilo que é violado, surpreendido, desvelado, revelado contra a
vontade, daquilo que nunca deveria ser representado porque não tem imagem nem
consciência de si próprio. O selvagem, ou o que há de selvagem em nós, não se
reflete. Ele é selvagemente estranho a si mesmo. As mulheres mais sedutoras são
as mais estranhas a elas mesmas (Marylin). A boa fotografia não representa
nada; capta essa não-representatividade, a alteriade do que é estranho em si
mesmo (ao desejo e à consciência de si), o exotismo radical do objeto.
Os
objetos, como os primitivos, têm uma vantagem fotogênica sobre nós: estão
liberados da psicologia e da introspecção. Conservam, portanto, toda a sua
sedução diante da objetiva.
A
fotografia é nosso exorcismo. A sociedade primitiva tinha suas máscaras, a
sociedade burguesa seus espelhos, nós temos nossas imagens.
(Baudrillard
– A transparência do mal – P. 159-60)
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