NAPOLEÃO por Jacques-Louis
DAVID
David- Napoleão cruzando os Alpes (1801)
Poucos soldados ou estadistas foram tão apoiados pela propaganda da arte
quanto Napoleão Bonaparte. Ainda que ele próprio não o tenha, talvez, iniciado,
Napoleão certamente ajudou a consumar o culto da personalidade em todo o seu
romântico poder. Das suas muitas imagens, nenhuma é tão poderosa quanto
Napoleão cruzando os Alpes, de David.
O quadro é uma obra-prima da técnica clássica e emoção romântica. Isso
não é um mero paradoxo. O desenvolvimento da teoria clássica teve lugar, no
decurso do século XVIII, no espírito de homens que foram todos intensamente
subjetivos. Napoleão é visto exortando seu exército ao esforço ingente de
atravessar os Alpes. Aparentemente, é uma jornada inviável, que foi empreendida
pela primeira vez em 218 a.C. pelo general cartaginês Aníbal. Justamente por
parecer impossível, é também uma jornada romântica, e coloca homem e natureza
frente a frente.
O rosto tenso e sombrio de Napoleão revela os perigos da marcha. Atrás da
cabeça do general, alçam-se os Alpes, apresentando ao esforço humano a violenta
e implacável oposição das forças da natureza. Esse conflito é, para o artista e
para seu modelo, uma declaração acerca da dignidade do homem e da grandeza da
determinação heróica. Um herói antigo, Aníbal Barca, é recordado na façanha do
imperador francês. Napoleão levou ao auge o culto da personalidade, coroando-se
a si mesmo imperador com os louros da vitória, para não ficar devendo seu poder
a nenhuma autoridade senão à sua própria. Nos desfiles triunfais de Roma
antiga, um homem era empregado para ficar ao lado do general vitorioso,
recordando-lhe que era apenas humano. Napoleão não viu necessidade de tais
precauções. Ele era, a seus próprios olhos e aos de seus seguidores, um novo Marte,
o deus da guerra. No quadro de David, o deus cavalga rumo à vitória inevitável.
O artista aprendera o que retratar obedecendo às regras que governam a
proporção e disposição do corpo humano. Homens de gosto reconhecem tais regras
e julgaram as obras de arte segundo sua conformidade a essas mesmas regras. Mas,
para nós, um dos muitos aspectos fascinantes da arte desse período consiste em
discernir como se manifesta a tensão entre as regras gerais, que se aplicavam a
todas as obras, e a imaginação artística. Quando a individualidade é mais
fortemente marcada em uma obra de arte, quando o artista expressou algo
importante para si mesmo, a tensão dramática entre a regra ideal e a criação do
indivíduo pode dizer-nos muito sobre o modo como esses artistas trabalharam e
ao que eles mais prontamente reagiram no mundo em que viviam.
In: JONES, Stephen. A arte do século XVIII. São Paulo: Circulo do livro, 1989. (Col. História da arte da Universidade de Cambridge)
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