Carta de J.R.R. Tolkien a seu filho Michael
Tolkien
6-8 de março de 1941
"Existe em nossa Cultura Ocidental uma
tradição romântica de cavalaria ainda forte, que embora seja um produto da
cristandade, os tempos lhe são hostis. Ela idealiza o 'amor' - e na medida em
que o faz pode ser muito proveitosa, desde que leve em conta mais do que o
simples prazer físico, e prescreva (se não pureza) ao menos a fidelidade,
abnegação, serviço, cortesia, honra e coragem.
Sua fraqueza
é, naturalmente, que começou como um artificial jogo palaciano, uma maneira de
desfrutar o amor por si mesmo, sem referência ao matrimônio. Seu centro não era
Deus, mas divindades imaginárias, o Amor e a Dama. Esta tradição ainda tende a
tornar a Dama numa espécie de estrela-guia ou divindade, o objeto ou razão da
conduta nobre masculina. Isto é, naturalmente, falso e na melhor das hipóteses
ficcional. A mulher é outro ser humano caído e com a alma em perigo. Mas
combinada e harmonizada com a religião, essa tradição pode ser muito nobre.
Então é
produzido o que suponho que ainda é percebido, entre aqueles que mantêm algum
vestígio de cristianismo, como o mais alto ideal de amor entre homem e mulher. Entretanto eu
ainda penso que há perigos. Não é totalmente verdadeiro, e não é perfeitamente
'teocêntrico'. Isso subtrai - já no passado o fazia - o olhar masculino de
enxergar a mulher como ela é: companheira de naufrágio e não estrela-guia.
Um resultado
disso é, por observação do real, fazer o jovem tornar-se cínico. Faz o homem
esquecer seus desejos, necessidades e fraquezas. Inculca noções exageradas de
'amor verdadeiro', como um fogo exterior, uma exaltação permanente, sem relação
com a idade, gravidez, e vida simples, e sem relação com a vontade e o
propósito. Um resultado disso é fazer que os jovens busquem um 'amor' que irá
mantê-los sempre felizes e quentes em um mundo frio, sem qualquer esforço
deles, e o romântico incurável continuará buscando o amor, mesmo na miséria dos
tribunais de divórcio."
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