MONA LISA - Walter Pater e Oscar Wilde
Mona Lisa,
por Walter Pater: (in: O Renascimento.
1869)
“A
presença que se eleva assim tão estranhamente junto às águas exprime o que no
correr de mil anos os homens aprenderam a desejar. É dela a cabeça sobre a qual
todos “os finais do mundo confluem” e as pálpebras mostram-se tão fatigadas.
Trata-se de uma beleza trazida do interior, despontando na carne, o depósito,
de minúscula em minúscula célula, de estranhos pensamentos, de sonhos
fantásticos e exóticas paixões. Colocada um momento que seja junto a uma
daquelas pálidas deusas gregas ou das belas mulheres da Antiguidade, e todas se
perturbariam com a sua beleza, na qual a alma e todas as suas desventuras
tiveram passagem! Toda vivência e os pensamentos do mundo ficaram gravados e
moldados, e nela ganharam o poder de refinar e dar expressão à forma exterior,
o animalismo dos gregos, a luxúria dos romanos, o misticismo da Idade Média com
sua ambição espiritual e os amores tão imaginativos, o retorno ao mundo pagão,
os pecados dos Borgias. Ela é mais antiga do que as rochas entre as quais está
sentada; como um vampiro, ela esteve morta diversas vezes, e aprendeu os
segredos da sepultura; e mergulhou até as profundezas dos mares, e se guarda
envolta na Expulsão do Paraíso; e traficou estranhas tramas com mercadores
orientais; e, como Leda, foi a mãe de Helena de Tróia e, como Sant´Ana, a mãe
de Maria; e tudo isso soou para ela apenas como a música de liras e flautas, e
ela vive apenas em suavidade com a qual foram moldadas suas feições sempre em
mudança, e tingidas suas pálpebras e mãos. A fantasia da vida eterna,
arrostando numa só dez mil existências, é muito antiga; e a moderna filosofia
concebeu a ideia de humanidade como tendo sido forjada, e resumindo em si,
todos os modos do pensamento e da vida. Sem dúvida, Lisa poderia ser a
incorporação da antiga fantasia, o símbolo da concepção de modernidade.”
Mario Praz dizia que com esse trecho Pater fora “quem
descobriu a femme fatale no famoso
sorriso da Mona Lisa”, ao mencionar “um insondável sorriso, como se possuísse
algo de sinistro”.
O sucesso
do texto de Pater deveu-se à beleza e às associações literárias e visuais que
conjurava: “uma estranha presença”, o peso do passado (“mil anos”),“sonhos
fantásticos e exóticas paixões”, belas deusas gregas, o “animalismo dos
gregos”, “a luxúria dos romanos”, misticismo medieval, paganismo, os Bórgias,
vampirismo e fantasmas (“ela esteve morta várias vezes”), o Oriente (traficando
com “mercadores orientais”), Leda e Helena de Tróia. Todos os suspeitos de
sempre estão presentes. A popularidade de um texto depende da sua capacidade de
ressoar no interior de uma consciência estabelecida previamente, mais do que
pela sua novidade. O tema da mulher bela que leva seus homens à destruição foi
um grande elemento de conexão entre as populares e chocantes novelas góticas do
final do século XVIII, os românticos franceses, o decadentismo e o simbolismo
franceses e britânicos, o movimento pré-rafaelita e o nascimento da
modernidade.
A
qualidade do texto de Walter Pater agiu como um amplificador de temas já existentes
na cultura. Mona Lisa talvez encarne a mulher como um objeto de atração
ambígua, parte tentadora, parte sacerdotisa, ao mesmo tempo corrompida e
inocente.
A fonte
do texto de Pater é o escrito de Charles Clément sobre a Mona Lisa (1861):
“Amantes,
poetas, sonhadores, vão todos ver a Mona Lisa, e morram aos seus pés! Nem o seu
desespero nem a sua morte conseguirão apagar daquela boca desdenhosa o sorriso
enfeitiçado, o implacável sorriso que promete arrebatamentos e rouba a
felicidade”.
OSCAR WILDE-
Pater e a Mona LIsa
Oscar Wilde, em “The Critical as Artist”,publicado em 1890,
percebe em Walter Pater o papel criativo do crítico que está munido de uma
poderosa e majestosa prosa. Wilde reconhece a crítica de boa qualidade como
sendo a “que trata a obra de arte simplesmente como o ponto de partida para uma
nova criação”.
“Quem
está ligando se o Sr. Pater colocou no retrato da Mona Lisa algo que o Leonardo jamais sonhou? O pintor pode ter sido
apena s o escravo de um sorriso arcaico, como alguém já fantasiou, mas sempre
que atravesso as frias galerias do Palácio do Louvre e me ponho diante daquela
figura estranha, “assentada em sua poltrona de mármore em meio àquele círculo
de rochas fantásticas, como se estivesse sob uma tênue luz imersa no oceano”,
murmuro para mim mesmo: “Ela é mais antiga do que as rochas entre as quais está
sentada”. E digo ao amigo que me acompanha: “A presença que se eleva assim tão
estranhamente junto às águas exprime o que no decorrer de mil anos os homens
aprenderam a desejar”. Ao que ele me responde: “É dela a cabeça sobre a qual
todos os finais do mundo confluem e as pálpebras mostram-se um tanto
fatigadas”. (Oscar Wilde)
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