FOUCAULT
DESMANCHA NO AR
O
único escritor da década passada que tinha realmente algo a dizer sobre a
modernidade foi Michel Foucault. E o que ele tem a dizer é uma interminável,
torturante série de variações em torno dos temas weberianos do cárcere de ferro
e das inutilidades humanas, cujas almas foram moldadas para se adaptar às
barras. Foucault é obcecado por prisões, hospitais, asilos, por aquilo que
Erving Goffman chamou de “instituições totais”. Ao contrário de Goffman, porém,
Foucault nega qualquer possibilidade, quer dentro, quer fora dessas
instituições. As totalidades de Foucault absorvem todas as facetas da vida
moderna. Ele desenvolve esses temas com obsessiva inflexibilidade e, até mesmo,
com filigramas de sadismo, rosqueando suas ideias nos leitores como barras de
ferro, apertando em nossa carne cada torneio dialético com mais uma volta do
parafuso.
Foucault
reserva seu mais selvagem desrespeito às pessoas que imaginam ser possível a
liberdade para a moderna humanidade. Nós pensamos que sentimos um espontâneo
impulso de desejo sexual? Estamos apenas sendo movidos pelas “modernas
tecnologias do poder que tomam nossa vida objeto”, dirigidos “pelo poder que
dispõe da sexualidade em seu controle sobre corpos e sua materialidade, suas
forças, suas energias, suas sensações e prazeres”. Nós agimos politicamente,
derrubamos tiranias, fazemos revoluções, criamos constituições para estabelecer
e proteger direitos humanos? Mera “regressão jurídica” aos tempos do
feudalismo, por constituições e cartas de direito são apenas “as foras que
tornam aceitável um poder essencialmente normalizador”. Nós usamos nossas
mentes para desmascarar a opressão – como Foucault aparenta estar fazendo? Esqueça-o, pois toda espécie de inquérito
sobre a condição humana “apenas desliga indivíduos de uma autoridade
disciplinar para ligá-los a outra” e, portanto, apenas faz engrossar o
triunfante “discurso do poder”. Toda crítica soa vazia, porque o próprio
crítico está “dentro da máquina panóptica, investido de seus efeitos de poder,
poder que conferimos a nós mesmos, já que somos parte do seu mecanismo”.
Submetidos
a isso por um momento, percebemos que não há liberdade no mundo de Foucault
porque sua linguagem compõe uma teia inconsútil, um cárcere mais constrangedor
do que tudo o que Weber sonhou, no qual nenhum sopro de vida pode penetrar. Estranho
é que tantos intelectuais da atualidade parecem querer definhar lá dentro, com
ele. A resposta, creio eu, é que Foucault oferece a toda uma geração de
refugiados dos anos 60 um álibi de dimensão histórica e mundial para o
sentimento de passividade e desesperança que tomou conta de nós depois dos anos
70. Inútil tentar resistir às opressões das injustiças da vida moderna, pois
até os nossos sonhos de liberdade não fazem senão acrescentar mais um elo à
cadeia que nos aprisiona; porém, assim que nos damos conta da total futilidade
de tudo isso, podemos ao menos relaxar.
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