Jardel Dias Cavalcanti
Não
havia neve, pois estava vivendo no sertão bravo. Mas seu coração esfriou-se.
Para que escrever, para que publicar, para que noites insones sobre a página
branca? Tudo lhe começou a parecer inútil depois da crítica arrasadora ao seu
romance “O amor que sempre tive pela orelha de minha mulher”.
Escrevera
sua obra prima, fruto de noites insanas de trabalho, de jejuns sociais,
sexuais, de todo tipo. Só lhe interessava encher as páginas brancas com
palavras trabalhosamente encontradas, para tentar dar sentido à sua nova e mais
absurda visão do amor.
No
entanto, depois dessa vida de monge dedicada ao Deus literatura, de todo o
esforço de anos de labuta com as palavras, aparece-lhe um crítico, o tipo
famoso que sempre aparece em colunas sociais, eventos de premiação, juris de
concurso literário, um desses almofadinhas sempre com seus cabelos pentelhadinhos
(desculpe-me o trocadinho), e lhe escreve a mais absurda crítica, dizendo que a
literatura que ele faz não passa de uma sublimação adolescente da masturbação
reprimida!
Existe
uma forma de ensinar literatura a um crítico. Sequestrou o coitado, trancou-o
dentro da garagem de sua casa e amarrou-lhe pernas e braços numa cadeira.
Agora, sentado à sua frente, começou a interroga-lo:
-
Então o Sr. acha que minha literatura não vale nada!
-
Não é bem assim, só penso que por fora você até que é rebuscado, mas por dentro
não encontro nada.
-
Vou tentar traduzir o que você disse. Quer dizer que tenho até um certo domínio
da técnica, mas que por dentro não digo porcaria nenhuma? Você acha, então, que
eu, ao não dizer nada sobre esse mundo que não tem nada a me dizer, não estou
dizendo tudo?
-
Mas eu não encontrei esse nada lá dentro, sou crítico e tenho obrigação de
expor suas limitações. Sou pago para isso no jornal. Você poderia ser um pouco
mais objetivo, pelo menos um pouco, não é!?
-
Então você vai entender de uma forma bem objetiva o que está dentro do meu
romance, que você diz não ter nada.
Pegou
seu livro, arrancando cada uma das páginas, que ia metendo-lhe garganta adentro.
Sem deixar o crítico passar fome, fez com que comesse todo seu romance, o que
acabou por sufoca-lo até a morte.
Voltando
para dentro de casa, sua amada lhe perguntou se ouvira algum barulho na
garagem.
-
Oh, não meu amor, sua quase surdez lhe faz ouvir coisas às vezes, apenas isso.
Pare de se preocupar com os ruídos, sua surdez é sua maior virtude. Imagina a
tortura que é ter que ouvir o que um crítico diz!
Jardel
Dias Cavalcanti
(fev./2017)
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