Sobre alguns trabalhos de Leonino Leão
por Ronald Polito
I
O Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), em Juiz
de Fora (MG), abriu, no dia 2 de agosto de 2016, uma exposição de artes
plásticas intitulada “Uma homenagem” reunindo trabalhos de Leonino Leão. Como o
próprio título indica, trata-se de merecido tributo a um artista que, nos
poucos anos que passou na cidade, onde foi professor do Departamento de Artes
da Universidade Federal de Juiz de Fora, deixou marcas importantes no panorama
das artes locais. A exposição reúne 76 trabalhos de técnicas variadas e que
cobrem, principalmente, os últimos anos da vida do artista, de 1980 a 1987.
Esses trabalhos pertencem à coleção do MAMM e a diversos colecionadores, a
quase totalidade residente na cidade. Neles encontramos aquarelas, desenhos,
pinturas a óleo sobre tela, colagens, gravuras em metal, objetos de materiais
variados (incluindo o design de
um colar), pinturas-objetos, geralmente tendentes a experimentações variadas,
incluindo misturas de técnicas e materiais, por vezes, imprevistos. Merecem
destaque alguns conjuntos de trabalhos, partes de séries que o artista
desenvolveu: as colagens, à falta de melhor termo, em torno do cometa de Halley
e do significado simbólico que ele teve para o poeta Murilo Mendes, as pinturas
de grande formato em diálogo com a obra Janela do caos, do mesmo poeta,
os objetos e as pinturas-objeto. Talvez o convívio com seu companheiro Arlindo
Daibert e o período em que viveu em Juiz de Fora esclareçam o fascínio que
Murilo Mendes passou a exercer sobre ele. Além dos trabalhos, a exposição conta
ainda com croquis, esboços, cartazes de exposições, cartas e cartões criados
pelo próprio artista e que eram enviados para os amigos em datas especiais, ou
seja, um conjunto de materiais de bastidor que são também esclarecedores dos
métodos e técnicas que ele empregou em sua obra. Além disso, apresenta também
alguns documentos de Arlindo Daibert, que comentam os empreendimentos de
Leonino, além de desenhos e fotografias que Daibert deixou de seu companheiro.
Ainda, na entrada da exposição, podemos assistir a um pequeno vídeo, com
supervisão de Arlindo Daibert e datado de janeiro de 1987, intitulado “Nova
cara do mundo”, em que o artista comenta suas obras, especificamente pinturas e
colagens das séries “Nova cara do mundo” (que reúne os trabalhos em torno do cometa
Halley, já referidos) e “Janela do caos”, o que talvez seja seu único registro
fílmico. O conjunto, portanto, é valioso para que futuros e necessários
trabalhos sejam feitos a partir do artista, tanto escritos quanto imagéticos,
pois ali encontramos elementos capazes de estimular criações variadas. De
montagem impecável, como são as exposições do MAMM, a curadoria da mostra é de
José Alberto Pinho Neves e ela ficará aberta até o dia 7 de outubro. O site do
Museu reúne, ainda, informações textuais e visuais detalhadas da exposição,
apresentando depoimentos e imagens de grande parte dos objetos expostos.[1]
II
É quase inexistente a fortuna crítica sobre o
artista, que faleceu jovem, aos 40 anos de idade, em 1988. Ela praticamente se
resume a quatro textos de Arlindo Daibert, reunidos em seu livro Caderno de escritos, de que
voltarei a tratar.[2] A esses textos podemos somar a que talvez seja a mais
valiosa observação sobre Leonino para os propósitos deste artigo, formulada por
Roberto Pontual em seu livro Entre
dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção Giberto Chateaubriand:
Apesar de seu trabalho ter começado a aparecer
na abertura da década de 70, os elementos que agora o caracterizam são bem mais
recentes. O básico, no caso, é a criação de uma trama geométrica de caráter
tanto sugestivo e significante quanto livremente decorativo. Todo o espaço é
ocupado então por cadeias de triângulos, quadrados, losangos e outras formas
várias, ligadas entre si como um corpo vertebrado e orgânico. Intensas em cores
e ritmos, elas conservam um ar arcaico, uma dimensão telúrica, um som de região
profunda, túnel para o trânsito de arquétipos. A preocupação constante com a
textura faz vibrar essas superfícies cristalizadas, dando-lhes o prolongamento
de ecos e a vibração de balbucios. Mas ninguém ouvirá delas um nome inteiro.[3]
Também pode auxiliar a tarefa interpretativa o
comentário de Walter Sebastião, tão breve quando agudo:
Sua obra se situa acima dos modismos,
permanecendo encantadora em sua geometria sensível, em seu construtivismo
universal. São criações deliciosas, inteligentes, radicais no sentido de
colocar os problemas da arte. É um trabalho belo e instigante, que continua
provocando a abertura do olhar, o que é fundamental.[4]
No comentário, Walter Sebastião retoma o
conceito de “geometria sensível”, do título “América Latina: geometria
sensível”, uma importante exposição organizada por Roberto Pontual no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1978. Com esse conceito, Pontual pretendeu
dar conta das especificidades dos projetos construtivistas quando aclimatados
aos ambientes das artes plásticas na América Latina: da geometria “programada”,
ortodoxa e europeia, à geometria “sensível” dos latino-americanos.[5]
Ainda é possível ter em vista os diversos
depoimentos sobre Leonino, não apenas de seus amigos e outras pessoas que
conviveram com ele em Juiz de Fora e em São José dos Campos, de onde veio —
como o do próprio Arlindo Daibert, que foi enfático ao registrar o quanto devia
a Leonino Leão para o desenvolvimento de seu trabalho,[6] o que é muito notável
nas pinturas e nos objetos de Arlindo dos anos 1980 em diante. Mas também de
seus ex-alunos, o que qualquer pesquisa sistemática futura deve considerar e
inclusive ampliar. Esses depoimentos são importantes porque esclarecem seus
métodos de trabalho e de ensino e a própria ideia do que era arte para ele,
além de iluminarem o raio de sua interferência criativa no ambiente acadêmico.
As declarações de Fernanda Cruzick e de Ricardo Cristofaro, seus ex-alunos,
tanto evidenciam a influência direta de seu trabalho sobre o que vieram a fazer
quanto ressaltam a natureza lúdica e a liberdade de expressão como nortes:
“Lembro-me que o Leo, como o chamávamos, usava muito, em sala, a palavra
brincadeira. Tinha um lado lúdico muito forte”; “(...) obtive, através do
conhecimento e contato com seu trabalho, um sentido de liberdade expressiva,
que transitava constantemente sobre diferentes processos e técnicas de criação
plástica”.[7]
III
É sobretudo em dois elementos que se verificam
as melhores contribuições de Leonino para as artes plásticas. Em seus objetos,
que se desdobram, inclusive, em pinturas-objeto, e em suas pesquisas de
geometrias, com as quais ele se insere de forma inovadora na melhor tradição
dos trabalhos com geometrias entre nós. São poucas as investidas figurativas,
ainda que não ausentes, pois o artista pode criar ambiguidades entre simples
estudo geométrico e figura, sendo raras as representações de seres humanos ou
lugares. A exposição demonstra isso, mas as poucas figurações presentes deixam
marcas singulares. Assim, o primeiro e o último trabalho expostos, e
vice-versa, porque depende de por onde o visitante decidir seguir, se pela
direita ou pela esquerda, dialogam entre si e conosco. Em um deles, a imagem de
um homem com os olhos distantes, impedindo nossa aproximação. No outro, vinte
olhos nos observam. Em ambos, as perguntas sobre como, por que e quando estamos
olhando e sendo olhados. Elas confirmam a necessidade de renovarmos nossos
modos de ver, o que solicitam os melhores trabalhos do artista.
S/ título, 1980. Aquarela sobre papel, 16 × 12 cm. Coleção particular.
S/ título, s.d. Pintura-objeto, 26 × 18 cm. Acervo do MAMM.
IV
Não ficando sabemos para onde iria a arte de
Leonino, e não é improvável que ela pudesse ir longe. Suas realizações mais
originais foram os objetos e os estudos geométricos. Sobre os objetos, Arlindo
Daibert considera a possibilidade de uma genealogia de seus antecedentes
citando Kurt Schwitters, Joseph Cornell, Torres Garcia, Celso Renato e Farnese
de Andrade. Não é o caso, aqui, de discutir a pertinência dessa genealogia. Por
outro lado, seria interessante considerar seus contemporâneos, como Roberto
Vieira, Marcos Coelho Benjamin e Cláudia Renault, para balizar o que Leonino
estava fazendo. De certa forma, o próprio Daibert descarta as referências que cita;
para ele, “a compulsão de inventar novos brinquedos nos parece mais forte do
que a aproximação de conceitos ditados pelas normas construtivas, dissecadas ad nauseam pelos críticos e
historiadores da arte”.[8] Não é claro o que ele parece dizer. Talvez seja
precisamente a atenção que Leonino dedicou a essa tradição e a seus
contemporâneos que o levou a tentar um passo autônomo nesses territórios. A
ideia de “novos brinquedos” não é alheia ao campo de referência, está
subjacente ou mesmo clara em trabalhos de Torres Garcia ou Farnese de Andrade.
Há sim uma brincadeira na forma com que
Leonino opera com outras criações. Veja-se a pintura-objeto acima, que pode nos
transportar por um momento para o universo de Sérgio Camargo e nos trazer de
volta para a percepção de seu universo particular. Pelo tamanho, pelo
douramento e pelos sólidos escolhidos, ela se distancia de Camargo. Sobretudo
pelo emprego de mais de um tipo de sólido ela se afirma: a dominância de
triângulos não anula a presença de formas trapezoidais, sugerindo um processo
de conversão mútua. O jogo entre elas é transformativo; mais ainda, há
velocidade, movimento giratório sugerido. Instaura-se uma espécie de disfunção
libertadora no âmbito da regularidade de certo construtivismo ortodoxo. E o acento
não está dado na dimensão desconstrutora, porque o efeito é precisamente o
contrário. Também chama a atenção que seja precisamente o triângulo a forma
escolhida, porque ele é dominante e o melhor campo de pesquisa nas geometrias
do autor.
Outra pintura-objeto poderia estar dialogando
de perto com o trabalho de Roberto Vieira: pelo uso de madeira, galhos, e
terra, ou sua simulação, bem como pela estrutura em relevo dentro de uma caixa.
Na mesma direção estaria também em parte a pintura-objeto já citada com os
vinte olhos. Por outro lado, a pequena dimensão contrasta com as obras de
Vieira. E outra diferença, mais fundamental, fica demarcada pela pintura dos
triângulos dourados, sugerindo uma geometria possível no campo da rusticidade,
além do contraste e do convívio do “elevado” com o “baixo”, o “moderno” e o
“arcaico”, e outras dualidades.
É novamente a dimensão lúdica que estrutura
outro trabalho, e ainda de forma mais decisiva, pois é um objeto que demanda
sua manipulação, oferecendo-se como uma “pequena máquina”, na feliz expressão
de Arlindo Daibert no texto citado. Não devemos apenas “contemplá-lo”, mas
operar com ele, como um ábaco simplificado, uma forma de escrita ou linguagem a
ser inventada, e tantas outras possibilidades. Os triângulos se transformam em
losangos que também são quadriláteros. O movimento das peças cria inúmeras combinatórias
e variações de cor, luz e profundidade.
S/ título, s.d. Objeto, 29 × 35 × 4 cm. Coleção Particular.
Outra obra importante para Leonino com certeza foi a de Farnese
de Andrade, uma das pontes possíveis para o abandono da moldura regular ou da
própria ideia de moldura e a extrapolação do espaço plano, bem como para o uso
de objetos e trastes do âmbito da cultura material, como na imagem seguinte.[9]
Mas nela, sem qualquer sacralidade ou surrealismo, é a insinuação erótica que
prevalece. Também o movimento está previsto na peça retangular central, bem
como insinuado no furo da peça à direita, lembrando a empunhadura de um
serrote, a orientar como deve ser manipulada. E as incisões geométricas da peça
central podem remeter às culturas indígenas ou a culturas arcaicas, bem como o
douramento embaralha os níveis de registro.
S/ título, s.d. Objeto, 40 × 27 × 6 cm.
A essas experiências se juntavam, portanto, referências estéticas inusuais, como motivos indígenas, visíveis à esquerda da obra seguinte. O título, “Montão de trigo”, tão enigmático, é possível referência à ilha Montão de Trigo, do litoral paulista, que talvez Leonino conhecesse e onde poderia ter encontrado elementos da composição, mas nada esclarece sobre a peça propriamente dita. Talvez o título seja apenas metáfora para indicar o quanto de “pão”, alimento essencial, pode brotar de suas potencialidades. Entre os objetos, esse é o que mais se aproxima dos trabalhos de Celso Renato: pela utilização e disposição dos pedaços de madeira simultaneamente à recorrência dos triângulos, que Celso Renato também empregou sistematicamente.
É também a abertura para outras referências culturais que motiva
um dos objetos mais criativos do autor, uma máscara que emprega uma grande
diversidade de materiais e formas, resultando num conjunto harmônico em sua
estudada irregularidade. Não apenas a horizontalidade, mas também as
bandeirinhas invertidas superiores, como uma coroa, ecoam livremente as
diversas máscaras pré-colombianas, como podem ser vistas em museus
arqueológicos do México, do Peru e do Chile. Ao mesmo tempo, as bandeirinhas
recortadas são naturalmente tributárias do mundo da criança. E toda a peça se
organiza a partir de resíduos, pedaços de coisas, lixo, como muitos dos
brinquedos que montamos. Inesperadamente, podemos estar diante da cabeça de uma
boneca, com seus enfeites, suas bijuterias. E mesmo orientalizada, com uma das
tranças formada por leques, ilustrados com vaquinhas de uma provável embalagem
de laticínio.
S/ título, s.d. Objeto, 22 × 16 cm. Coleção particular.
V
A diagonal era a linha dominante na disposição
do traço de Leonino. Foi seu estudo ininterrupto que o levou não apenas ao
triângulo, mas à dinâmica geral de seus trabalhos com geometrias. É da tensão
de seu uso que emerge o que de melhor essa obra tem em sua filiação às
vertentes geométricas da arte contemporânea. O uso das diagonais, além de
produz velocidade em suas imagens, por não ser uniforme, evita uma disposição e
uma divisão matemática regulares do espaço. Claro que foi um longo caminho para
o próprio artista elaborar esse deslocamento. Em trabalhos seus dos anos 1970,
é possível encontrarmos formas geométricas de disposição regular. Afora isso, o
triângulo estabelece uma dinâmica distinta das formas retangulares e
organizadas pela vertical e pela horizontal, como em muitos trabalhos do
construtivismo clássico. Opera-se com um deslizamento, um descarrilamento, e
com outros modos de frente e fundo se ordenarem. Se nos objetos as formas
triangulares aparecem diversas vezes, elas assumem o proscênio nas pinturas,
aquarelas e gravuras, que reúnem a maior parte do que produziu. Seria o caso de
pensarmos em Volpi, com sua insistência em pintar bandeirinhas, o que não deve
ter passado despercebido ao próprio Leonino. Bem como na precedência de Volpi
no uso de diagonais e na composição livre da geometria, sem regularidade na
dimensão das formas. Mas eles se distanciam pela paleta de cores. Não Volpi tão
azul, mas os tons terrosos. Em outros termos, Leonino também se dedicou ao
plano geométrico mais elementar, menos fechado em seu simbolismo, o menos
“figurativo” de formas particulares porque pode ser associado a uma multidão de
coisas.
Além da sensação de navegarmos, com esses
triângulos como velas, o emoldurado do movimento torna a aquarela mais teatral,
como se estivéssemos diante de um palco em que se passa uma cena. Enfim, como
se a obra pusesse em discussão o que quer representar, assumindo-se como
representação.
É o caso de se tratar um pouco mais da
preferência pelo triângulo nesses trabalhos. O próprio artista deixou uma
declaração meio peremptória ao intitular uma obra sua de “Triângulos que não
são símbolos”, de 1985,[10] como que antecipando a natural reação do observador
diante do que ele produziu, inclusive se tiver conhecimento de sua origem
geográfica. Afora esse plano mais elementar, são muito diversos os sentidos
simbólicos do triângulo, religiosos, místicos, esotéricos etc. Penso que é
desse amplo conjunto que ele quer se afastar para que a percepção apenas do
funcionamento de formas triangulares no espaço se imponha. E não um triângulo,
mas sua proliferação. Evidentemente, não é uma obrigação para quem observa a
obra aceder ao título do autor, até porque ele pode funcionar como o do quadro
de Magritte.
Foi sobretudo nos grandes trabalhos em pintura
e técnica mista sobre Janela do caos que Leonino alcançou seu melhor resultado
nesses campos de pesquisa com geometrias. A exposição apresenta três trabalhos
de uma série mais ampla e que hoje se encontra dispersa.[11] Suas dimensões
contrastam com as que usualmente o artista praticava. E se harmonizam com as
janelas do título, mimetizando-as. Pois o tipo de representação que visam
solicita um espaço mais amplo. Trata-se do espaço que é uma janela, como
metáfora da própria pintura, e que é a do caos, numa leitura possível do
título. O próprio artista, no vídeo referido, corrobora essa leitura ao indicar
que o tamanho escolhido buscava precisamente dar conta, em termos de escala, de
um tema tão exigente. E esse caos aqui não é uma ilustração, as obras não se
referem a nenhum poema de Murilo Mendes diretamente, elas antes se encarregam
de fixar os diversos movimentos quase que corporais da caotização tentando
ordená-la, fixá-la, suspendendo-a momentaneamente, ainda que sem poder impedir
seus movimentos.
O trabalho mais escuro da mostra é uma das
três grandes telas. Nela é enorme a movimentação das regiões, a ordenação pelo
olhar de recortes maiores e menores agrupando áreas, incluindo conformações
retangulares e trapezoidais. A multiplicidade de triângulos se organiza de
forma a revelar um grande triângulo de ponta-cabeça como uma cunha que
desconjunta o que parecia que ia seguir harmonicamente, e desencadeia certo
deslizamento geral da composição em duas diagonais, contido, no entanto, pela
persistência da horizontalidade. E com o uso de apenas duas cores próximas, se
obtém o movimento sobressalente da altercação constante entre frente e fundo.
Uma anotação de Leonino entre os papéis expostos nas vitrinas da galeria vem
indiretamente nesse sentido, quando ele formula a necessidade de “estudar
possibilidade de outras escalas com inversões cromáticas”.
A segunda tela exposta da série “Janela do caos” é a melhor
realização de um padrão geométrico que já havia sido abordado pelo pintor
alguns anos antes e por isso é preferível começar por esse trabalho anterior e
de dimensões mais reduzidas.
Multiplicação de planos de cor, 1981. Têmpera vinílica sobre tela, 45 × 54 cm.
Coleção Ricardo Cristofaro.
Nele já podemos ver o diálogo entre os
triângulos dominantes e o quadrado, bastante visível, mesmo que se desfaça
momentaneamente pelo delineamento de um trapézio em seu interior. Trata-se de
um estudo que investiga a oscilação do olhar entre formas geométricas
elementares constituídas também pelas articulações entre os planos de cor.
Na segunda tela de “Janela do caos” esse
procedimento é ampliado e o resultado que se atinge é bem mais impactante.
Decorrência da centralização do quadrado quase perfeito mantido em inclinação
de cerca de 45º e do tratamento de cores, que produz um efeito melhor de,
simultaneamente, anulação e afirmação da forma retangular, num jogo incessante
entre formas e regiões. O movimento giratório dos triângulos em torno da forma
retangular se amplia, ainda, pela dinâmica de seu interior, centrípeta e
centrífuga, a depender do olho do observador, e pela continuidade do movimento
externo invadindo em parte a área interna. É como se estivéssemos diante de uma
utilização muito particular ou disfarçada de um procedimento cinético. E
novamente se infiltra quase no centro da tela a presença de uma cunha
pentagonal.
A última tela exposta de “Janela do caos” se destaca por outro
aspecto, para além da organização geométrica das fileiras de triângulos,
constituindo diversos trapézios ou outras formas quadrangulares. Seu principal
interesse reside no tratamento das cores, embora dentro do mesmo campo
cromático, distinto do presente nas telas anteriores. Nela não ocorrem
superfícies de cores homogêneas e chapadas e o autor volta a trabalhar com
colagens que criam sensações de relevo. O que temos nos campos de cores são as
formas geométricas perdendo em parte a definição dos contornos e apresentando
gradações cromáticas internas a uma cor. Ela, talvez, seja uma das realizações
do trabalho de Leonino mais distantes do construtivismo clássico, tanto por sua
distribuição geométrica irregular quanto pela forma como a cor é tratada.
A exposição ainda apresenta, como já dito,
outros campos de criação do artista. Mas a natureza avaliativa deste artigo
pensa os recortes escolhidos a partir de uma perspectiva de atribuição de
valor. São os objetos e os estudos geométricos que permanecem mais vivos com o
passar do tempo, formulando problemas e soluções para a arte que se pode
praticar hoje em dia. O que interessa, então, é o uso que podemos dar a esse
legado.
Ronald Polito
Juiz de Fora, 19-27 de agosto de 2016
[1] Disponíveis em: <www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/>
e <www.museudeartemurilomendes.com.br/exposicoes/leonino/leonino.php>.
Acesso em: 18 ago. 2016.
[2] São os textos: “Calendário, de Leonino Leão” (datado de
São Paulo, mar. 1993; título acrescentado pelo organizador do volume), “Nova
cara do mundo, de Leonino Leão” (publicado em catálogo de exposição
realizada na Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, 1985), “Objeto do
sentido, de Leonino Leão” (publicado no catálogo da exposição realizada na
Aliança Francesa de Juiz de Fora em 1987; a nota do autor foi acrescentada em
1991, sendo assim republicado em Transístor,
n. esp., Juiz de Fora, out. 1991) e “Janela do caos, de Leonino Leão”
(texto datado de 6 set. 1990; título acrescentado pelo organizador). In:
DAIBERT, Arlindo. Caderno de
escritos. Organização de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Sette
Letras, 1995. As informações sobre os textos são do organizador do volume.
[3] PONTUAL, Roberto. Entre
dois séculos: arte brasileira do século XX na coleção Gilberto
Chateaubriand. Prefácio de Gilberto Allard Chateaubriand e Antônio Houaiss.
Apresentação de M. F. do Nascimento Brito. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil,
1987. p. 539.
[4] Disponível em: <www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/>.
[5] PONTUAL, Roberto. Do mundo, a América Latina, entre a
geometrias, a sensível. In: PONTUAL, Roberto. Obra
crítica. Organização de Isabela Pucu e Jacqueline Medeiros. Rio de Janeiro:
Azougue, 2013. p. 435-439.
[6] Daibert, “Janela do caos, de Leonino Leão”, op. cit.,
p. 138.
[7] Depoimentos, respectivamente, de Fernanda Cruzick e Ricardo
Cristofaro. In: MORAIS, Mauro. Emoldurando o cientista. Tribuna de Minas, Juiz de Fora,
10 ago. 2016. Caderno Dois, p. 1. Mais um depoimento de Fernanda Cruzick pode
ser encontrado em:
<www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/mostra-homenageia-leonino-leao/>.
E outro de Ricardo Cristofaro em:
<http://www.ufjf.br/procult/2010/12/07/leonino-leao-e-lasar-segall-no-mamm/>.
[8] Daibert, “Objeto do sentido, de Leonino Leão”, op. cit., p.
137.
[9] A peça não está na exposição do MAMM, mas reproduzida em:
REPÚBLICA do Paraibuna. Curadoria de José Alberto Pinho Neves. Juiz de Fora:
Universidade Federal de Juiz de Fora, [1996].
[10] Ela pode ser vista em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8729/leonino-leao>.
[11] A UFJF possui mais obras da série, mas certamente as
limitações de espaço expositivo não permitiram a mostra de outras. Ainda uma
delas (técnica mista sobre papel, 210 x 150 cm, 1986, coleção Gilberto
Chateaubriand) pode ser vista em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8729/leonino-leao>.
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