SYLVIA PLATH – DIÁRIOS
SENSIBILIDADE TRÊMULA
Chega uma época em que todos os seus
canais de expressão ficam bloqueados, como se entupissem de cera. Você se senta
no quarto, sentindo uma dor pungente no corpo, que trava a garganta e se
contrai perigosamente no canal lacrimal atrás do olho. Uma palavra, um gesto, e
tudo que está retido dentro de você – ressentimentos moídos, inveja gangrenosa,
desejos supérfluos – frustrados – tudo isso explode para fora de você em
lágrimas de uma fúria impotente – soluços constrangedores, um choro que não é
endereçado a ninguém em particular. Nenhum ombro a amparará, nenhuma voz dirá: “Calma,
calma. Durma que vai passar”. Não, em sua nova e horrível independência você
sente a perigosa dor premonitória a crescer na insônia e nervos à flor da pele,
sente que as apostas contra você são altas nesta mão e continuam a aumentar.
Você precisa de uma válvula de escape, mas as saídas estão bloqueadas. Passa
dia e noite numa prisão escura entorpecente que você criou para si. E, neste
dia, parece que vai explodir, arrebentar, se não der um jeito de abrir o imenso
reservatório de mágoas que a sufoca e se livrar delas. (...)
Você rilha os dentes, desprezando-se
por tanta sensibilidade trêmula, sem saber direito como os seres humanos
suportam a dor de ter sua individualidade esmagada impiedosamente sob uma
estrutura ditatorial – da indústria, do estado ou de uma instituição – pela vida
toda. E aqui você agoniza por míseras semanas de sua vida. Liberdade, estar
solta e por sua conta a aguardam logo adiante, no calendário. A vida inteira não
se perdeu... E talvez algo de bom esteja brotando discretamente, no anonimato
da escuridão, enquanto isso. (...)
Deitada nua na cama com as janelas
abertas, sentia o vento salgado soprando em meu corpo bronzeado, o odor fresco vespertino
da grama recém-cortada e a vibração das ondas a estourar no final da rua. E,
deus, pelos vapores de amônia faça com que a mente em estado de letárgico
abandono desperte num tranco e adquira consciência aguda e trêmula – há a
corrente de luz, a extensa faixa azul prateada, o brilho prateado oriental da
luz sobre a água do mar.
In: PLATH, Sylvia. Diários,
1950-1962. São Paulo: Globo, 2004. P. 104-5.