Antiterapias,
de Jacques Fux
Por Jardel Dias
Cavalcanti
A
editora Scriptum acabou de lançar a obra literária Antiterapias, de Jacques Fux. Lendo o livro, imediatamente nos vem
à mente a frase do poeta Wally Salomão: “A memória é uma ilha de edição”. Pois isso
é o livro de Fux, a narrativa de sua memória, editada a partir de acontecimentos
de naturezas diversas, das quais não temos certeza se são reais ou inventadas.
Pouco
importa, como uma espécie de Capitão Ahab que persegue a baleia do seu inconsciente
social, afetivo e literário, Fux nos lança num fluxo de fatos relativos à sua
formação literária, sexual, emocional, existencial, política e filosófica, misturando
dados da literatura que o apaixonou aos dados de sua existência em busca da
auto-realização enquanto artista e no amor, não deixando ainda de lado a
compreensão histórica e política do mundo.
Literatura
sincera, não poupa as frustrações, as mentiras que inventa para si e para o
mundo, deixando fluir de sua pena um jorro de desejos reprimidos (amor, ódio,
ressentimentos, sonhos), transformados pelo escritor numa aventura literária de
grande força. O resultado é capacidade de envolver o próprio leitor nas suas
memórias, levando-o a investigar a si mesmo, agora com a delicada ironia de Fux,
com o desprendimento de um brincalhão, que decidiu rir de si mesmo (como o
filósofo exigido por Nietzsche), sofrer a céu aberto, mas com a grandeza da
literatura, única possibilidade, talvez, de se transformar a vida em algo digno
de ser vivido.
Em
Antiterapias, Fux relata suas
primeiras incursões pelas zonas do desejo sexual, seu encontro com a mulher
como ser desejado, os temores e ansiedades que esse desejo de amor cria e as
idealizações que dela resultam. O autor não sofre sozinho, chama seus pares
literários para depor a seu favor, seja ele Proust, Borges, Pessoa, Rilke,
Leminski, Perec, etc. Sabe que estes escritores fizeram da literatura a matéria
da vida, o sentido do existir, como Fux o faz agora. São eles, afinal, que
intensificam a existência do autor, que ama porque autores descreveram o amor
antes dele. Sabe sofrer, porque soube sofrer na literatura: amou como Bovary,
Paolo e Francesca, Riobaldo e Diadorin, Romeu e Julieta. A literatura foi sua
educação sentimental e o resultado profundo de sua vida emocional também será a
literatura.
No
centro do romance, a existência particular do judeu, que dada sua formação
humanística, resvala para a descrença nas tradições de seu “gueto”, despertando
para o sentido da justiça política universal, que acredita ser a forma mais
ousada de pensar os traumas do passado histórico que o assombram. Comovido por
lembranças dolorosas, o Nazismo e as práticas da violência e arrogância alemã
são julgadas por ele no seu tribunal pessoal. Inventa uma figura, um personagem,
Dibouk (espécie de alma penada), que
ao longo do livro o desencanta de seus desejos e sonhos e que encarna
alegoricamente o maldito estado de exceção que a vida e a história impõem ao
homem.
Homem
que duvida, que deseja mais do que a vida pode dar, o personagem não se
encontra inicialmente nas suas escolhas, buscando aqui e acolá tornar-se o
gênio desejado das ciências e matemáticas. Frustra-se, pois é preciso saber
frustrar-se para se encontrar. E se encontra, agora, nas letras, espaço aberto
para pensar a si mesmo, ao mundo e à própria criação literária.
Espécie
de romance de formação, de um retrato do artista quando jovem, Antiterapias sabe que não há cura para a
vida, muito menos para a vida intensificada pela literatura. Deseja, ao
contrário da sanidade/normalidade, ser e continuar gauche na vida, retirando da dor, do sofrimento, das alegrias e
angústias a matéria sobre o qual o autor criará sua obra. Como Mallarmé e
Proust, sabe que a vida realmente vivida é a vida da literatura ou a vida
transformada em literatura. Essa que agora nos podemos ler em Antiterapias para termos de volta nossa
verdadeira vida.