Cicciolina, Michael Jackson e Andy Warhol - por Jean Baudrillard
Cicciolina e Jeff Koons
Vejam a Cicciolina. Haverá
encarnação mais maravilhosa do sexo, da inocência pornográfica do sexo? Contrapuseram-na
a Madonna, virgem produto da aeróbica e da estética glacial, desprovida de qualquer
charme e sensualidade, andróide com musculatura, que, por isso mesmo,
conseguiram transformar em ídolos de síntese. Mas não é também Cicciolina uma
transexual? Os longos cabelos loiros, os seios moldados em concha, as formas
ideais de boneca inflável, o erotismo liofilizado de história em quadrinhos ou
de ficção científica e, principalmente, o exagero do discurso sexual (nunca
perverso, nunca devasso), transgressão total sob controle; a mulher ideal dos
telefones rosas (minitel rose*), mais uma ideologia erótica carnívora que
nenhuma mulher hoje assumiria – a não ser uma transexual, um travesti: só eles,
é sabido, vivem de signos exagerados, de signos carnívoros da sexualidade. O ectoplasma
carnal que é a Cicciolina encontra-se com a nitroglicerina artificial da
Madonna ou com o charme andrógino e frankesteiniano de Michael Jackson. São todos
mutantes, travestis, seres geneticamente barrocos, cujo visual erótico esconde
a indeterminação genética. Todos são gender-benders, trânsfugas do sexo.
Vejam Michael Jackson. É um
mutante solitário, precursor da perfeita mestiçagem universal, a nova raça
segundo as raças. As crianças de hoje não têm bloqueios quanto a uma sociedade
mestiça, esse é o universo delas, e Michael Jackson prefigura o que elas
imaginam como futuro ideal. Sem esquecer que Michael fez plástica, alisou o
cabelo e fez tratamento para clarear a pele, enfim, ele se constitui
minuciosamente; é isso mesmo que o torna uma criança inocente e pura – o andrógino
artificial da fábula que, mais do que Cristo, pode reinar no mundo e
reconciliá-lo, porque é mais do que o menino-deus: é menino-prótese, embrião de
toda as formas sonhadas de mutação que nos livrariam da raça e do sexo.
Poderiam também ser
evocados os travestis da estética, dos quais Andy Warhol seria o emblema. Como Michael
Jackson, Andy Warhol é um mutante solitário, precursor de uma mestiçagem
perfeita e universal da arte, de uma nova estética segundo as estéticas. Como Jackson,
é uma personagem perfeitamente artificial, também inocente e pura, um andrógino
da nova geração, espécie de prótese mística e de máquina artificial que nos
livra, por sua perfeição, tanto do sexo quanto da estética. Quando Warhol diz: “Todas
as obras são belas, não preciso escolher, todas as obras contemporâneas se
equivalem”; quando diz: “A arte está em toda parte, logo, já não existe, todo
mundo é genial”, ninguém pode acreditar. Mas ele está descrevendo a
configuração da estética moderna, que é a de um agnosticismo radical.
Somos todos agnósticos ou
travestis da arte ou do sexo. Já não temos convicção estética nem sexual, mas
professamos todas.
In: BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal: ensaio sobre os
fenômenos extremos. Campinas:
Papirus, 1992.
*Minitel rose: é um sistema
francês de microcomputador acoplado ao telefone, que permite acesso a fontes de
informações oficiais e particulares de todo tipo, também permite a troca de mensagens
de caráter amoroso, erótico ou obsceno.
FOTOS: